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    Clóvis Rossi

    Como o diabo gosta

    19/10/2014 02h00

    Estava pronto para mandar um e-mail de elogios ao companheiro Ruy Goiaba, cujo trabalho admiro desde muito antes de ele assumir o pseudônimo.

    Goiaba escrevera que "é difícil crer que manter o governo ou trocá-lo signifique levar o país ao milagre ou ao apocalipse".

    Concordei na hora, mas tive o azar de ser escalado pela Folha para fazer o chamado "liveblogging" sobre o debate da mesma quinta-feira, 16. "Liveblogar" seria até chique para um velhinho que já fez todas as coberturas possíveis na vida. Pena que os debatedores não ajudaram a dar razão ao Ruy Goiaba, quando ele diz, também, que "a democracia é bem menos dramática".

    Foi tanta baixaria que fiquei com a sensação contrária: a escolha do eleitorado vai ser dramática qualquer que seja, porque a crispação que se criou transformou o Fla-Flu tradicional entre PT e PSDB em um confronto entre as piores torcidas organizadas.

    Aí, voltei à entrevista que o governador Jaques Wagner deu à Folha dias atrás, na qual ele aceita que o eleitorado tem uma percepção tremendamente negativa dos políticos –exatamente o mundo que Wagner habita desde sempre.

    Dizia o governador da Bahia: "Ninguém ganha eleição dizendo sou honesto'. Até porque ninguém acredita".

    Pois é, governador, ninguém acredita mesmo. Então, de que adianta tanto Dilma Rousseff como Aécio Neves baterem no peito e jurarem que têm uma vida pública impoluta e impecável? Ninguém acredita, não é mesmo, Jaques?

    Ainda mais que o próprio governador confessa que, em seu partido, o PT, como em todos os outros, há "santos e diabos". Pela catarata de acusações despejadas sobre as candidaturas e seus apoiadores e partidos, parece que todos os santos debandaram e os diabos tomaram conta do botequim.

    Por tremenda coincidência, dias antes, outro amigo, Moisés Naím, que já foi colunista da Folha e continua sendo de "El País", havia escrito o seguinte: "Poucos acreditam na honestidade ou no altruísmo dos políticos, e os partidos já não são o lar natural dos idealistas".

    O texto de Naím parece ter sido escrito pensando no Brasil e não no mundo todo: "Governos paralisados e partidos políticos estancados continuam sem dar respostas críveis às novas demandas de sociedades em efervescência, que estão mudando a uma velocidade inalcançável para os que operam com ideias do passado."

    Até parece que Naím escreveu seu texto assistindo ao debate de quinta. Afinal, de acordo com pesquisa do Latinobarômetro, os brasileiros são os latino-americanos menos satisfeitos não só com a qualidade dos serviços públicos como com a quantidade de impostos que pagam.

    O debate só mostrou que, ganhe quem ganhe, continuarão insatisfeitos. Talvez por isso, impressionantes 38 milhões de eleitores se abstiveram ou votaram branco/nulo no primeiro turno.

    Esse contingente iria para o segundo turno se fosse candidato, porque é maior que o de Aécio Neves.

    Intuem que não virá milagre ou apocalipse, mas mediocridade.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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