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    Clóvis Rossi

    Declaração de não voto

    09/11/2014 02h00

    Como diria Dilma Rousseff, estou estarrecido com a quantidade de amor e ódio que vertem sem parar as redes sociais e alguns colunistas.

    Não é apenas que não me comovem. É que não entendo como seres racionais podem ter o cérebro dominado pelo fígado, em relação aos adversários, ou pelo coração, em relação a seu próprio time.

    Sou bicho raro a quem não assustava minimamente a possibilidade nem de reeleição de Dilma nem de vitória de Aécio Neves.

    Antes de mais nada porque acho que os governos Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva foram os melhores –ou, no mínimo, os menos ruins– de toda a minha vida adulta, os últimos 50 anos.

    Tiveram defeitos? Incontáveis. Espero tê-los apontado todos no devido momento. Os méritos, estes sim deixei de apontar pela simples e boa razão de que fazer bem as coisas é a obrigação de quem governa.

    Elogiar o mero cumprimento da obrigação seria aceitar a mediocridade como regra. Não dá.

    Por tudo isso, me estarrece que haja adultos, alguns deles veteranos na observação da cena política, capazes de enrolar-se na bandeira de um partido e de deixar que ela os cegue em relação aos seus defeitos.

    Como me estarrece que se tornem em uma espécie de "black-blogs", empenhados em destruir o inimigo, que deveria ser só adversário, se o combate político fosse civilizado.

    Nada contra a paixão, fique claro. Mas quem ama não mata. Nem fica cego. Ainda mais que paixão e ódio giram em torno de agendas vencidas.

    Está vencida a agenda da estabilização econômica, a grande marca do tucanato, conforme reconheceu Dilma, na carta em que cumprimentou FHC pelo 80º aniversário.

    Está pelo menos iniciada a inclusão social, a grande marca de Lula, internacionalmente reconhecida.

    O que deveria, agora, despertar paixões incontroláveis é a a agenda das revoluções que o Brasil necessita. Não deixo por menos: revoluções, sim, não meras reformas.

    Revolução política, porque não há um único país minimamente sério que tenha 28 partidos representados na Câmara de Deputados, como ocorrerá no Brasil em 2015.

    Não é sério um país em que quase dois terços são pobres (24,5%) ou vulneráveis (37,5%).

    Não é sério um país que passa tremenda vergonha em rankings internacionais de educação, de competitividade ou de corrupção.

    Não é sério um país cujos habitantes sufocam no trânsito cada vez que saem de casa. Não é sério um país em que a atenção à saúde é o que todos sabemos.

    Não é sério um país cujos habitantes são submetidos diariamente a uma roleta russa, porque não sabem se a bala que lhes está destinada chegará hoje ou amanhã.

    Há alguém aí que acredita de verdade que o PT ou o PSDB, os partidos em que a maioria dos brasileiros depositou suas esperanças, é capaz de resolver essa ampla agenda?

    Ou a sociedade se mobiliza para empurrá-la para a frente ou acabará se afogando em fel.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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