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    Clóvis Rossi

    Um começo bem medíocre

    30/11/2014 02h00

    Não poderia ser mais medíocre o primeiro ato do segundo mandato de Dilma Rousseff.

    Primeiro porque ela própria nem se dignou a aparecer na apresentação em sociedade de sua nova equipe econômica.

    Se eu não fosse inimigo número um de teorias conspiratórias, até diria que a indicação não foi dela.

    Por isso, preferiu ficar em algum gabinete palaciano (ou em alguma masmorra, se me mantivesse na teoria conspiratória) em vez de endossar com a presença o novo duo (o terceiro, Alexandre Tombini, não é novo; continua na função de presidente do Banco Central).

    É ridículo. Se a candidata dizia, durante a campanha, que a governo novo correspondem ideias novas, o primeiro ato teria que ser, obrigatoriamente, o enunciado das tais novas ideias, no pressuposto de que elas de fato existam.

    Medíocre também foi o anúncio de que a prioridade do novo/velho governo será obter um superavit fiscal. Dou o devido desconto ao fato de que não cabia mesmo a Joaquim Levy/Nelson Barbosa/Tombini anunciar ideias novas que fossem além da economia.

    Essa era a tarefa inalienável da presidente.

    Ainda assim, há alguém aí que acredita que o Brasil terá todos os seus problemas resolvidos graças à prioridade concedida ao superavit fiscal anunciado?

    Levy fez apenas o papel para o qual foi convocado, o de falar aos agentes de mercado, que, de resto, nem sequer foram eleitores de Dilma. Nem pensar em falar aos eleitores da própria presidente e ao público em geral, que não fazem parte do que os argentinos gostam de chamar de "patria financiera".

    É a fala de um burocrata, quando a estagnação em que se encontra a pátria –e não apenas na economia, mas também em educação, saúde, mobilidade urbana, segurança pública, infraestrutura e um vasto etc.– exige um estadista.

    O novo governo mostrou-se refém dos detentores dos papéis da dívida pública. São eles que exigem um superavit fiscal que permita continuar tratando a dívida como algo sagrado que não se pode tocar.

    Não, caro ortodoxo aí no sofá, não estou pregando o calote, embora ache que, se empresas e indivíduos podem renegociar suas dívidas, por que o governo não pode?

    O que estou defendendo é que pelo menos se pense nas tais "ideias novas" do slogan de campanha.

    Ideias, como, por exemplo, uma taxação excepcional sobre o patrimônio, cujo resultado seria dedicado a eliminar ou reduzir a dívida pública. É a proposta de Thomas Piketty, a nova estrela da economia mundial, em seu livro "O Capital no Século 21".

    Manter o piloto automático (aumentar ou manter o superavit primário para pagar a dívida) é condenar o país à mediocridade por sabe-se lá quanto tempo.

    Até a "Economist", a revista que pediu a cabeça de Guido Mantega e saudou, com muitas ressalvas, a escolha da nova equipe econômica, diz que "o crescimento [da economia] cairá a princípio e pode não se recuperar por um ano ou dois".

    Você acha que o país está em condições de jogar fora nem que seja apenas um ano?

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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