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    Clóvis Rossi

    Israel dinamita as pontes

    04/12/2014 02h00

    O governo de Israel dinamitou as já frágeis pontes para um processo de paz com os palestinos ao expulsar do gabinete os dois únicos ministros que eram favoráveis ao diálogo, o que abriu caminho para uma eleição antecipada (para 17 de março).

    Refiro-me a Tzipi Livni e a Yair Lapid, que são rotulados como centristas apenas porque Israel caminhou violentamente para a direita nos últimos anos, o que empurrou para o centro os moderados da direita.

    O foco mais recente da divergência entre Livni/Lapid e o premiê Binyamin Netanyahu é um projeto aprovado pela maioria dos ministros (14 votos a 6, entre eles os de Lapid e Livni) que define Israel como "Estado-nação do povo judeu".

    Significa marginalizar 1,9 milhão dos 8,2 milhões de habitantes de Israel não judeus. Quase 25% da população, a grande maioria árabe.

    O texto é, na verdade, inócuo, porque a Declaração de Independência, o documento fundador de um país que não tem Constituição escrita, já diz que Israel é um "Estado judaico" (e acrescenta "democrático", termo que deverá constar também da nova proposta quando for finalizada por Netanyahu).

    O problema é que apresentado agora, num momento de muita tensão com os palestinos, parece uma declaração de que os não judeus não têm direito de estar em Israel.

    "O debate [a respeito da proposta] ameaça alienar ainda mais a minoria de árabes cidadãos de Israel, manchar sua reputação como democracia e minar os laços de Israel com seus aliados ocidentais", escreve, por exemplo, Joshua Mitnick no "Christian Science Monitor".

    Mas a proposta não deve ser lida como uma iniciativa apenas da extrema direita israelense.

    Ela claramente expressa a radicalização da maioria dos judeus, pelo menos dos que vivem em Israel (na diáspora, a situação parece ter mais matizes, como aprendi no domingo (30) em bate-papo com a "Comunidade Shalom").

    Constata, por exemplo, David Horovitz, criador do excelente site "The Times of Israel":

    "A direita goza de um dramático, substancial crescimento em respaldo que, se mantido no dia da eleição, refará a política [interna] de Israel e suas políticas e relações internacionais".

    Horovitz está na prática antecipando a escolha que Israel fará em março, entre "um Estado sionista ou extremista", como diz Livni.

    Se Horovitz está certo, Israel será extremista. Ou já é.

    O fato é que o "substancial crescimento da direita" levou ao surgimento de uma tendência forte para rejeitar não apenas concessões aos palestinos, mas o próprio direito dos palestinos a um Estado próprio (e viável).

    É sintomático que o chanceler Avigdor Liberman, um dos extremistas de direita no governo, tenha proposto recentemente que Israel pague aos árabes para deixarem o país, inclusive os territórios a que têm direito pela legalidade internacional.

    Como as primeiras pesquisas para a eleição do ano que vem apontam para uma maioria de extrema direita/partidos religiosos, o já moribundo processo de paz sofreu morte cerebral.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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