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    Clóvis Rossi

    A música parou. E agora?

    07/12/2014 02h00

    Era uma vez um tempo em que Luiz Inácio Lula da Silva, com seu inoxidável voluntarismo, proclamava, em suas andanças pelo exterior, que o século 21 seria "o século da América Latina".

    Não estava sozinho. Sir Martin Sorrell, executivo-chefe do portentoso grupo WPP (relações públicas e publicidade), dizia tempos atrás que os anos 10 do novo século seriam "a década da América Latina".

    Erraram ambos. O sentimento predominante hoje é o de que a festa acabou ou, pelo menos, entrou em hibernação, até um novo ciclo de crescimento.

    No "Financial Times", John Paul Rathbone compara o momento latino-americano a um ciclista que atinge o pé de uma colina, depois de longo e fácil trajeto, e vê surgir nova colina.

    "Exigirá trabalho duro para chegar ao topo", escreve. Até porque o crescimento, completa, pode se tornar rastejante.

    Já se tornou, como mostram os dados divulgados na semana passada pela Cepal.

    A previsão para este ano é de um crescimento de apenas 1,1% para os 20 países da América Latina, excluídos, portanto, os 13 do Caribe.

    Distância sideral dos 6,2% registrados quando o subcontinente explodiu economicamente, na saída da grande crise de 2008/2009.

    Foi o último ano dourado. De lá para cá, o crescimento foi minguando: 4,3% em 2011; 2,7% no ano seguinte; 2,8% em 2013.

    Para o ano que vem, a previsão é de 2,2%, o dobro, portanto, do que se espera de 2014, mas, mesmo assim, um registro inferior ao de todos os demais anos 10, exceto 2014.

    São números que não impedem líderes regionais, igualmente voluntariosos, de sonhar alto. Caso, por exemplo, do presidente equatoriano Rafael Correa, que, ao receber na quinta-feira, 4, seus colegas da Unasul, cobrou o funcionamento do chamado Banco do Sul, para que a região dependa menos de financiamento extrarregional, e ainda, "por quê não?, ter uma moeda regional no médio prazo".

    Sonhar faz bem porque o crescimento baixo não é o único problema da América Latina.

    Em balanço sobre a região, o jornal espanhol "El País" diz que "a América Latina necessita adotar uma agenda audaciosa e crível de reformas estruturais, focalizada na melhoria da educação, das infraestruturas e do clima de negócios".

    Seriam, completa, "as reformas de segunda geração, as reformas 2.0, longe do viés liberalizante dos anos 90 e adaptadas a economias que abandonaram os últimos postos em desenvolvimento econômico mas que ainda estão longe de dar respostas às demandas de sua crescente classe média".

    De fato, a América Latina chega à metade dos anos 10 em uma situação bem precária nos seus quatro grandes países.

    O Brasil é uma ruína ética e tem sistema político claramente disfuncional; a Argentina voltou ao labirinto da crise; a Venezuela é uma ruína econômica e institucional; e o México corre o risco de tornar-se um Estado falido, em que o poder público perde o controle para o narcotráfico.

    Reformas 2.0 são, portanto, o mínimo.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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