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    Clóvis Rossi

    A guerra dos 'lobos solitários'

    16/12/2014 02h00

    O Estado Islâmico faz decapitações nas áreas que ocupa na Síria e no Iraque, mas espalha o terrorismo para bem além delas, do que dá prova a ocupação de um café no coração de Sydney, a principal cidade australiana.

    Tudo leva a crer que se tratou de uma ação isolada de um iraniano asilado na Austrália desde 1996. Mas os boatos que se espalharam pela cidade demonstram que os países diretamente envolvidos na guerra contra o EI, como é o caso da Austrália, desenvolvem uma mentalidade de estado de sítio.

    Um deles dizia que fora fechada ao trânsito a emblemática ponte da baía de Sydney; outro relatava o fechamento do espaço aéreo sobre a cidade –ambos desmentidos pelas autoridades.
    Depois de encerrado o episódio, é fácil constatar que o pânico por ele desatado é muito superior às dimensões do fato em si.

    Mas é compreensível o medo aos chamados "lobos solitários", militantes islâmicos sem vinculação orgânica com organizações terroristas, mas simpatizantes delas.

    Não faz muito foi preso um desses "lobos", que ameaçava decapitar uma pessoa exatamente na Martin Place, o local onde fica o café Lindt, tomado pelo iraniano Man Haron Monis, autointitulado clérigo islâmico, mas que, por vídeo exibido no "site" do jornal Sidney Morning Herald, parece ser um desequilibrado mental.

    Ele estava em liberdade condicional, depois de ter sido preso por escrever cartas ameaçadoras a famílias de soldados australianos.

    Monis pode ser um "lobo solitário", mas não se enquadra no perfil dos mais temidos, que são os que retornam da Síria/Iraque, após combaterem ao lado do EI.

    Há 70 australianos lutando com o EI, pelas contas de David Irvine, diretor-geral da Organização Australiana de Segurança e Inteligência. Vinte outros já voltaram, e 15 morreram, dois deles em atentados suicidas. Sempre segundo Irvine, os que apoiam ativamente os militantes são cerca de 100.

    Há, portanto, motivos para uma certa paranoia, que derivou em islamofobia logo após a divulgação do ataque ao café Lindt: mulheres com véus árabes tradicionais foram hostilizadas no transporte público.

    Menos mau que rapidamente surgiu a reação, na forma da hashtag #IllRideWithYou ("Vou viajar com você"), que se tornou viral nas redes sociais. Some-se ao episódio de Sydney a morte, por outro lobo solitário islâmico, de um soldado canadense em Ottawa, e fica claro que a guerra movida pelo terrorismo é global ou, pelo menos, dirige-se aos países, como Canadá e Austrália, que são aliados incondicionais dos Estados Unidos, o alvo principal do terrorismo.

    Que uma brasileira de origem árabe tenha sido vítima circunstancial em Sidney demonstra, por sua vez, que não há limites religiosos, raciais ou geográficos quando fanáticos entram aleatoriamente em ação.

    Nada mais previsível que o efeito imitação leve, mais cedo que tarde, a outros incidentes do gênero, talvez na Europa, continente em que o número de "jihadistas" lutando na Síria/Iraque é bem superior ao de australianos ou canadenses.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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