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    Clóvis Rossi

    Uma democracia capenga

    25/12/2014 02h00

    O brasileiro é recordista mundial em sentir-se ignorado pelo governo.

    É o que indica a pesquisa sobre atitudes globais de 2014 feita pelo Pew Research Center, um centro de pesquisas norte-americano que é dos mais respeitados do mundo na matéria.

    Recordista mundial é um pouco de exagero, mas não muito. A pesquisa foi feita nos 33 países emergentes mais relevantes de todos os continentes.

    Quando a pergunta era sobre se o governo se importava com a opinião do pesquisado, 90% dos brasileiros responderam "não".

    É a maior porcentagem encontrada, superior até à já elevada média latino-americana (77%).

    O brasileiro pode ser recordista em sentir-se desatendido pelo governo, mas essa sensação é generalizada no mundo todo ou, ao menos, nos países pesquisados.

    "Maiorias em 31 dos 33 países pesquisados disseram que a maioria dos funcionários do governo não se importa com o que pessoas como eles [os pesquisados] pensam."

    A pesquisa serve como explicação a posteriori para as grandes manifestações de junho de 2013, em que a grande reivindicação era por serviços públicos melhores.

    Ou seja, a rua ferveu porque nenhum governo "ouviu" essa reivindicação ou, se ouviu, não se preocupou efetivamente em atendê-la.

    Mas a pesquisa mostra também que o brasileiro limita sua participação política ao ato de votar –o mínimo que se espera de um cidadão em democracias.

    Aliás, o brasileiro é também quase recordista, entre os 33 países envolvidos na pesquisa, em participação eleitoral: 94% dizem votar nas eleições, atrás apenas dos tailandeses (96%).

    Entre as possibilidades de participação oferecidas pela pesquisa, em só duas delas a porcentagem de brasileiros que participaram passou de um dígito: 34% foram a eventos de campanha política e 13% assinaram petição de cunho político.

    Nos outros itens, o resultado é desanimador: participação em protesto (9%), membro de organização política (4%), fez contato com algum funcionário (5%), participação em greves (7%), telefonou para programa de rádio/TV para dar opinião política (5%).

    Mesmo nas redes sociais, que, ao menos na campanha presidencial, pareciam inundadas de mensagem políticas, a participação é mínima. Só 9% postaram mensagens políticas e menos ainda (7%) publicaram links para informações políticas.

    Em todos esses itens, a participação dos brasileiros é inferior ou, na melhor das hipóteses, igual à média latino-americana, que é igualmente muito baixa.

    A pesquisa apurou também que as elites (e os homens, a maioria entre elas) atuam mais.

    "Aqueles com educação secundária ou mais alta, aqueles que acreditam que funcionários públicos se importam com suas opiniões e os homens participam mais em atividades políticas", diz o texto.

    Tudo somado, tem-se uma democracia capenga: votar, todos votam, mas participar é coisa para poucos, assim como os benefícios se concentram em poucas mãos.

    Mesmo assim, Feliz Natal.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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