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    Clóvis Rossi

    Gregos entre a raiva e o medo

    30/12/2014 02h00

    A Grécia deu nesta segunda-feira (29) o passo que faltava para reacender todos os sinais vermelhos nos mercados europeus: não conseguiu eleger um presidente, cargo puramente cerimonial, mas que, na hipótese de não ser preenchido, obriga à dissolução do Parlamento e, por extensão, à convocação de novas eleições legislativas.

    O único candidato, Stavros Dimas, indicado pelo governo, teve 168 votos quando necessitava de 180.

    Por que o sinal vermelho? Simples: todas as pesquisas indicam a vitória da Syriza ("Coligação de Esquerdas") e, portanto, de sua proposta de renegociar a dívida, reverter aspectos da dura austeridade imposta pelo governo derrotado agora e criar programas de assistência social.

    A mais recente pesquisa, de sábado (27), dá à Syriza 28,3% das intenções de votos contra 25% da Nova Democracia, o conservador partido do premiê Antonis Samaras, responsável maior pelo que os gregos chamam de "austericídio".

    Os números da pesquisa confirmam a hipótese levantada por Alexis Papachelas, colunista do jornal "Kathimerini": "Muitos gregos estão vacilando entre a raiva e o medo. O resultado [eleitoral] dependerá de qual sentimento predominar. No momento, a raiva parece ter superioridade, mas o medo começa a se instalar, mesmo entre aqueles que, até recentemente, achavam que não havia nada mais a perder".

    Traduzindo: se a raiva (pelos 25% de encolhimento da economia nos últimos cinco anos, com todo o cortejo de males sociais a ele associado) prevalecer, ganha a Syriza.

    Se, no entanto, crescer o medo de apostar no desconhecido (a Syriza não faz parte do establishment que governa a Grécia desde o restabelecimento da democracia), ganha a Nova Democracia.

    Em qualquer caso, será preciso um delicado trabalho de costura política para formar a maioria, já que nenhum partido isoladamente parece em condições de obtê-la diretamente das urnas.

    O pleito grego será o primeiro teste para os movimentos ditos populistas, à esquerda e à direita, que cresceram na crise, "em detrimento do establishment político europeu, descrito por seus oponentes e frequentemente visto pelo público como cansado, ineficaz e remoto [distante da sociedade]", como escreve o "Financial Times".

    Ou seja, o que estará em jogo na eleição grega é mais do mesmo ou uma virada de jogo de alcance europeu e até global.

    É eloquente que, assim que se tornou inevitável a convocação da eleição (para 25 de janeiro ou 1º de fevereiro), a Bolsa grega desabou 11%. Recuperou-se algo depois, mas fica claro que os mercados apostam fortemente contra a Syriza.

    Os mercados e também a Alemanha, a potência europeia que impôs o "austericídio".

    Wolfgang Schäuble, ministro alemão de Finanças, já avisou que "qualquer novo governo [na Grécia] terá de obedecer aos acordos legais firmados por seus antecessores".

    Tudo somado, fica claro que ou a Syriza dá uma guinada à direita, como fez Luiz Inácio Lula da Silva em 2003, para amansar os mercados, ou 2015 já começará turbulento.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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