• Colunistas

    Monday, 06-May-2024 08:24:17 -03
    Clóvis Rossi

    Política virou mundo à parte

    10/02/2015 02h00

    A pesquisa Datafolha publicada nesta segunda-feira (9), sobre a baixíssima adesão aos partidos políticos, põe ciência numa antiga constatação empírica: o mundo político foi se transformando, paulatinamente, em um universo à parte, que gira em torno apenas de seus interesses, não do bem comum.

    É até constrangedor usar "mundo político" e "bem comum" numa mesma frase. Tornaram-se antônimos.

    O desamor aos partidos não é, diga-se, um fenômeno exclusivamente brasileiro nem algo recente.

    O Latinobarômetro, a melhor medida do humor latino-americano, capta a desconfiança já faz alguns anos. No mais recente (2013, mas divulgado em 2014), a frase "o país é governado para o benefício de todos" era aprovada por menos de 30%, na média do subcontinente.

    No Brasil, era pior: menos de 20% achavam que o bem comum estava na pauta dos governantes.

    Tampouco é um fenômeno exclusivamente latino-americano. A rigor, é mundial.

    No mesmo dia em que o Datafolha mostrava o tobogã para baixo em que mergulharam Dilma Rousseff, Geraldo Alckmin e Fernando Haddad, o jornal espanhol "El País" publicava pesquisa em que o partido mais votado é um certo Podemos.

    O Podemos é filho do chamado movimento dos indignados, que sacudiu o país faz uns dois anos. Como os dois partidos que dominam a política espanhola desde a redemocratização, em 1977, não deram bola para os "indignados", estes criaram seu próprio partido.

    Lá também os partidos tradicionais sofrem erosão idêntica à dos brasileiros: o conservador Partido Popular e o Partido Socialista Operário Espanhol tiveram, somados, 73% dos votos na mais recente eleição geral (2011). Agora, na pesquisa que o Podemos lidera, os dois juntos ficam com apenas 46%.

    No Reino Unido, os partidos nanicos tiveram 6% dos votos na mais recente eleição geral (2010); agora, as pesquisas lhes dão quatro vezes mais (25%).

    Para o colunista Antonio Navalón, do "El País", o mundo vive o fim de um sistema: "Se não se aceitar que estamos no fim de um sistema, não se pode entender nem [Alexis] Tsipras na Grécia nem o Podemos (...) nem as dificuldades –caso Petrobras, entre outras– que tem Dilma Rousseff no Brasil", escreve.

    Navalón não deixa claro a que sistema se refere, mas parece óbvio que se trata do modelo econômico predominante no planeta, chamado neoliberal. Não deixa de ser curioso que as dificuldades de Dilma Rousseff entrem no rolo geral exatamente quando ela muda o rumo, do intervencionismo na economia para a mais tradicional ortodoxia.

    Francamente, não sei se estamos mesmo na iminência do fim de um ciclo em matéria econômica. O capitalismo tem formidável capacidade de se reinventar.

    Mas o mundo político, este sim, demonstra invencível incapacidade de se reinventar e voltar a ser (se é que o foi algum dia) um instrumento para o benefício de todos e não apenas de alguns.

    Aí é que mora o perigo, pois fica aberto o campo para aventureiros, de que o Brasil, aliás, já foi vítima mais de uma vez (nomes a seu critério).

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024