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    Clóvis Rossi

    A guerra (perdida?) de Putin

    15/02/2015 02h00

    Arnaud Dubien, diretor do Observatório Franco-Russo, ficou intrigado com um item do acordo chamado Minsk 2 (sobre a guerra na Ucrânia) que não mereceu destaque na mídia em geral.

    Trata-se do ponto em que os líderes que assinaram o documento (os presidentes da Rússia, da Ucrânia e da França mais a chanceler da Alemanha) reafirmam o sonho de "criação de um espaço humanitário e econômico comum do Atlântico ao oceano Pacífico". Seria a "Grande Europa", com a inclusão da Rússia.

    Dubien acha que essa menção, paradoxal no contexto do conflito que opõe o Ocidente à Rússia em torno da Ucrânia, revela uma velha divisão entre os líderes europeus, entre os que querem "convidar a Rússia aos processos europeus comuns e os que querem afastá-la na direção do Norte e do Leste".

    Em médio ou longo prazo, essa questão é mais importante para a estabilidade na Europa do que o que sucederá com o acordo de Minsk, cujo teste começa neste domingo (15) com o início do cessar-fogo.

    Mas falta incluir na equação Vladimir Vladimirovitch Putin. Ele quer ser parte de uma "Grande Europa", em que o papel da Mãe Rússia ficaria naturalmente diminuído, ou prefere recriar a "Novorossiya", a Nova Rússia, designação do império entre 1764 e 1873? Boa parte da resposta virá do comportamento de Putin em relação à Ucrânia.

    Está claro agora que, embora tenha se apossado da Crimeia e de um bom pedaço das regiões ucranianas de Donetsk e Lugansk, ele perdeu a Ucrânia propriamente dita.

    A população ucraniana preferiu a Europa à Rússia, primeiro nas manifestações de rua que levaram à defenestração de Victor Yanukovich, presidente pró-russo, e depois nas eleições que entronizaram o pró-europeu Petro Poroshenko.

    Só haverá volta atrás se Putin conseguir, com seu apoio aos separatistas do leste ucraniano, desestabilizar de forma duradoura a frágil Ucrânia. Ficaria então a impressão de que a opção pela Europa foi equivocada.

    Afinal, como escreve Gustav Gressel, pesquisador visitante do Conselho Europeu de Relações Exteriores, "a situação financeira e econômica da Ucrânia se deteriora mais depressa do que a da Rússia".

    A Ucrânia, de todo modo, leva uma vantagem: pode, em tese, contar com o respaldo da Europa, pelo menos o financeiro, já que o militar está descartado.

    Já a Rússia, ao contrário, está retrocedendo, como escreve Alexander Motyl, professor de ciência política da Universidade Rutgers:

    "Graças aos preços recordes de energia que acompanharam sua ascensão ao poder, em 1999, Putin conseguiu dinheiro suficiente para melhorar o padrão de vida do país, fortalecer os militares russos e manter felizes seus apaniguados" [os oligarcas de que tanto se fala].

    Agora, no entanto, com a queda de preço do petróleo e com as sanções do Ocidente, "a economia russa está na descendente".

    Ou, posto de outra forma, Putin talvez não consiga nem sustentar a velha Rússia, quanto mais reconstruir a Nova Rússia. Tudo somado, joga-se na Ucrânia muito mais do que Donetsk e Lugansk.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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