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    Clóvis Rossi

    Cobre do governo, não da mídia

    22/02/2015 02h00

    Transferi ao governo brasileiro a cobrança que o "Financial Times" fez ao governo britânico: "Por que as autoridades do Reino Unido parecem relutantes em formalmente investigar o 'private bank' do HSBC suíço a respeito das alegações de que ele foi proativo ao auxiliar milhares de clientes a esquivar-se do fisco?".

    O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, prometeu falar com a Receita Federal, única instância que pode dizer se há ou não irregularidades nas 5.549 contas de 8.677 clientes brasileiros encontradas na agência de Genebra do HSBC.

    Trata-se do vazamento batizado de Swissleak, uma lista entregue por um "hacker", Hervé Falciani, ao ICIJ (sigla em inglês para Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos), cujo delegado no Brasil é o jornalista Fernando Rodrigues, blogueiro do UOL.

    No total, a lista tem 106 mil clientes de 200 países. França, Bélgica e Argentina, por exemplo, estão investigando os seus nacionais.

    O Reino Unido e o Brasil, não.

    Quando cobrei José Eduardo Cardozo, ele perguntou se havia indícios de crime, única hipótese que permitiria a seu ministério entrar na investigação.

    Respondi que os jornalistas não têm condições de dizer se há ou não alguma irregularidade, por mais que leitores cobrem sistematicamente que Fernando Rodrigues divulgue a lista completa.

    Não pode e nem deve fazê-lo porque ter conta no exterior não é crime, desde que devidamente declarada à Receita Federal e desde que tenham sido pagos os impostos correspondentes.

    Cabe pois à Receita dizer quem, dos 8.667 brasileiros da lista, está limpo ou não. Sem essa averiguação, divulgar os nomes seria violar a presunção de inocência.

    Fernando Rodrigues conta, no seu blog, que, já em setembro, o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) recebera uma lista de 342 pessoas, para que pudesse fazer uma averiguação.

    Só na quinta-feira (12), o Coaf informou que, das 342 pessoas listadas, 15 já haviam sido alvo de relatórios que indicavam possível atividade criminosa, como corrupção, tráfico de drogas e crimes fiscais.
    Mesmo assim, não revelou os nomes desses 15, que mantiveram, entre 2006 e 2007, depósitos no HSBC de Genebra no total de US$ 650 milhões (R$ 1,858 bilhão).

    Se e quando Cardozo cobrar da Receita que entre no jogo, é possível que esta responda que não pode fazer nada porque o crime de sonegação prescreve em cinco anos (os depósitos "hackeados" são de 2006 e 2007, há no mínimo oito anos, portanto).

    Mas Fernando Rodrigues se antecipa e diz que há outro possível crime (evasão de divisas), que só prescreve depois de 12 anos.

    Completa o jornalista: "Como o total de recursos de brasileiros era de US$ 7 bilhões à época, 2006/2007, a recuperação desse dinheiro, ou parte dele, equivaleria ao tamanho do ajuste fiscal que a equipe econômica da presidente Dilma Rousseff pretende implementar no Brasil este ano".

    Deveria ter sido motivo suficiente para que o governo reagisse sem precisar ser provocado.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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