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    Clóvis Rossi

    Putin e os "Terminators"

    05/03/2015 03h00

    Sem o querer, Vladimir Putin autoculpou-se pelo assassinato de Boris Nemtsov, oposicionista abatido a tiros a metros do Kremlin.

    Disse o presidente russo: "Os extremistas ferem a sociedade com o veneno do nacionalismo beligerante, a intolerância e a agressão".

    O que faltou dizer: não há, na Rússia, nenhum outro personagem que destile tanto "veneno do nacionalismo" e tanta intolerância como o próprio Putin e seus seguidores
    fanáticos.

    Sobre a intolerância, basta saber que os "putinistas" designam os ucranianos que se levantaram contra um acordo com a Rússia e derrubaram o então presidente Viktor Yanukovith como "maidown".

    É um jogo de palavras com "maidan", a praça central de Kiev que foi o epicentro da revolta, e a síndrome de Down, o que implicaria que os rebelados são doentes.

    Crueldade sem limites.

    Embora parte da oposição aponte o dedo diretamente para o Kremlin, a maioria dos analistas prefere ver o crime como produto indireto do ambiente mafioso criado pelo exacerbado nacionalismo de Putin.

    É o caso, por exemplo, de Maria Alexandrovna Gessen, mais conhecida como Masha Gessen, uma jornalista russo-americana, ativista da oposição.

    Escreve Gessen: "Ao que tudo indica, ninguém no Kremlin realmente ordenou a morte -e essa é parte da razão pela qual a morte de Nemtsov marca o começo de um novo e assustador período na história da Rússia".

    A jornalista completa: "O Kremlin criou recentemente um exército descoordenado de vingadores que acreditam estar agindo no melhor interesse do país, sem receber instruções explícitas".

    Ao matar Nemtsov, esse "exército" estaria impedindo a divulgação de fatos sobre a presença de soldados russos entre os separatistas do leste ucraniano, o que seria um tremendo embaraço para Putin, que sempre nega esse envolvimento.

    A propósito: Ben Hodges, comandante-em-chefe das tropas dos EUA na Europa, disse nesta terça que cerca de 12 mil soldados russos lutam ao lado dos rebeldes ucranianos.

    Outra jornalista, Ksenia Sobchak, filha do já morto prefeito de São Petersburgo Anatoly Sobchak, à cuja sombra Putin iniciou sua carreira política, segue a mesma trilha de Gessen.

    Escreveu: "No fundo, teria sido de certa maneira menos inquietante que Putin tivesse ordenado a morte de Nemtsov. Teria sido terrível, mas permaneceria dentro do sistema. Um sistema controlado. (...)Putin não encomendou essa morte, mas criou um Terminator infernal do qual ele perdeu o controle".

    Essas duas análises ajudam a explicar a reação de Putin nesta quarta (4) e fazem mais sentido do que as teorias conspiratórias a granel lançadas pelos áulicos do Kremlin.

    Ainda mais se se acrescentar à morte de Nemtsov os assassinatos relativamente recentes de outros críticos de Putin, como a jornalista Anna Politkovskaya e o espião Alexander Litvinenko.

    Este foi alcançado em Londres, mas a morte de Nemtsov, por ter sido à sombra do Kremlin, tem um simbolismo muito mais forte.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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