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    Clóvis Rossi

    EUA atacam, o Brasil amacia

    12/03/2015 02h00

    Entre a beligerância norte-americana em relação à Venezuela e a moderação irritantemente excessiva do Brasil, esta é preferível nas circunstâncias.

    Baixar decreto considerando a Venezuela uma ameaça aos Estados Unidos beira o ridículo. A Venezuela de Nicolás Maduro é, no máximo, uma ameaça para ela própria, dado o colossal fracasso das políticas bolivarianas.

    Adotar sanções, como o fez o presidente Barack Obama, obviamente não resolve o problema.

    Mesmo um blogueiro crítico do governo venezuelano discorda das sanções e da retórica norte-americana: David Smilde diz que a retórica "combina perfeitamente com a narrativa do governo Maduro, que diz que os problemas do país são resultado de um confronto entre a Venezuela e os Estados Unidos, em vez de um produto de suas próprias políticas fracassadas".

    O problema do momento -e que as sanções não enfrentam- é muito fácil de enunciar e muito difícil de resolver: assegurar que as eleições legislativas previstas para este ano sejam de fato livres e justas.

    É razoável supor que o governo venezuelano fará o diabo para evitar uma derrota que parece absolutamente inevitável: sem uma grande maracutaia, governo algum vence uma eleição quando a inflação é de 69% ao ano, a recessão prevista para este ano é de 4%, há recorde de desabastecimento e, além disso, o número de assassinatos por 100 mil habitantes só é inferior ao de Honduras.

    Aí chegamos ao ponto em que a moderação brasileira pode ser mais eficaz.

    A nota oficial divulgada pelo Itamaraty a propósito da recente missão de seu titular, Mauro Vieira, e de dois de seus colegas da Unasul (União de Nações Sul-Americanas) informa que "ficou acertado que a Unasul enviará missão de acompanhamento do processo eleitoral, já a partir de seus estágios iniciais".

    A última frase é essencial: deixar para acompanhar uma eleição apenas nas vésperas da votação tende a ser tarde demais.

    O ponto seguinte é adicionar conteúdo a essa missão de acompanhamento.

    Aqui, o Itamaraty poderia encampar no todo ou em parte documento divulgado por 33 respeitáveis ONGs que propõe um plano de ação a ser implementado nos meses prévios ao voto, o que "daria legitimidade ao trabalho da Unasul, assim como permitiria à sociedade civil na Venezuela e em toda a região monitorar objetivamente o trabalho de mediação e colaborar com ele".

    A proposta não inventa nenhum bicho de sete cabeças. Inclui itens triviais em democracias, como "garantia da liberdade de reunião; proibição do uso da força; fim das prisões arbitrárias; e fortalecimento da independência do Judiciário".

    Assinam, entre outras, a Anistia Internacional, o WOLA (Escritório de Washington para a América Latina) e a Conectas, grupo internacional que tem ativa representação brasileira.

    Por esse caminho, a missão da Unasul, na qual a participação brasileira é obviamente primordial, poderia eventualmente chegar ao resultado desejado: eleições livres e justas.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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