Um certo país da Europa acaba de anunciar seu Orçamento, com medidas que vão na direção oposta às definidas pela presidente Dilma Rousseff (ou pelo ministro Joaquim Levy, vai-se saber).
Uma delas é o aumento do Imposto de Renda para o 1% mais rico, de 25% para 27%. Outra é o aumento de impostos aos bancos, com o que espera arrecadar o equivalente a R$ 25,7 bilhões. Justificativa do ministro do Tesouro desse país: "Os bancos tiveram nossa ajuda durante a crise; agora devem apoiar o país enquanto se recupera".
Simples e justo, não?
Qual é o exótico país que adota medidas que deixariam o ministro Levy de cabelo em pé? Seria a Grécia, que acaba de cometer a ousadia de eleger um governo de esquerda?
Não, não é a Grécia. Trata-se do Reino Unido, governado desde 2010 pelo Partido Conservador de David Cameron, um dos grandes campeões da austeridade e herdeiro remoto de uma certa Margaret Thatcher, ícone do neoliberalismo que o PT e Dilma amavam odiar (antes de ganharem a reeleição e se verem obrigados a amar Levy e sua ortodoxia).
Não se trata de sugerir que o Brasil deva incluir mecanicamente no seu pacote de ajuste as medidas citadas. As situações são diferentes, as economias são diferentes, a capacidade de "enforcement" do Reino Unido é imensamente superior à do Brasil e por aí vai.
Mas trata-se, sim, de cobrar que as autoridades brasileiras tentem, uma vez na vida, pensar também fora da caixa. Demandar mais de quem mais tem é uma regra de sentido comum, que não tem nada de ortodoxa ou heterodoxa.
É evidente que, para uma fatia da população, está sobrando dinheiro, a ponto de serem brasileiros os que mais fazem consultas sobre imóveis em Miami, conforme relatório da Associação de Imobiliárias da cidade.
Bancos também sabidamente pagam pouco imposto no Brasil, aproveitando-se de uma legislação tributária no mínimo tortuosa.
Que essas pessoas e esse setor deem uma contribuição mais suculenta para o saneamento das contas públicas seria apenas uma questão de justiça social.
O problema é que a crise brasileira não é só política, econômica e ética. É também de inteligência. Os anões que sobraram na vida pública, no governo e na oposição, claramente carecem de projeto de país.
O caso do Reino Unido ilustra também que a mera austeridade – que, diga-se, tornou-se necessária pelo descalabro anterior– não é a panaceia universal.
O país adotou com thatcheriano entusiasmo o "austerícidio" que é marca registrada das políticas europeias contemporâneas.
Até deu certo, mas levou seis anos para que o Reino Unido recuperasse o tamanho da economia que tinha no primeiro trimestre de 2008, às vésperas da grande crise.
Ainda assim, comenta Martin Wolf, principal colunista do "Financial Times", "a economia é agora cerca de um sexto menor do que seria se as tendências pré-crise tivessem continuado", o que significa "um colapso no crescimento da produtividade e, em consequência, nível de vida estagnado". O Brasil aguenta um tranco assim?
É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.