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    Clóvis Rossi

    Irã, uma questão de fé

    02/04/2015 02h00

    A negociação, que prossegue nesta quinta-feira (2), entre o Irã e grandes potências do P5+1 (as cinco permanentes do Conselho de Segurança mais a Alemanha) envolve acima de tudo uma questão de fé ou de confiança, se você preferir.

    Ou você tem fé na palavra das autoridades iranianas de que seu programa nuclear é estritamente pacífico ou acha que elas estão mentindo e irão atrás da bomba.

    Em qualquer dos casos, é preferível, ao menos nesta situação, um mau acordo a um fracasso das negociações.

    Por quê? Porque um mau acordo seria aquele que abrisse ao Irã uma janela de oportunidade para chegar à bomba em prazo relativamente curto. Acontece que um não-acordo escancararia idêntica janela -com a desvantagem que o Irã sentir-se-ia espicaçado pelas novas sanções que fatalmente viriam nessa hipótese. E é sempre bom lembrar que as sanções já em vigor, que são pesadas, machucaram bastante a economia iraniana mas não parecem ter atrasado o programa nuclear, para fins pacíficos ou bélicos.

    Não quero nem pensar na alternativa às sanções, que seria o uso da força. É uma hipótese apocalíptica demais. O acordo, mesmo um mau acordo (nos termos acima descritos), em tese devolveria o Irã ao convívio internacional, o que é bom para todos, principalmente para o próprio Irã.

    Posso estar sendo ingênuo, mas o sentido comum manda dizer que uma nação que deixa de ser pária tende a ser mais cooperativa do que um país isolado e punido com rigor. É claro que um Irã mais cooperativo não significa o abandono das pretensões de potência regional, papel que persegue com ou sem sanções e no qual avançou, apesar destas.

    É como escreve para o "Figaro" Antoine Basbous, fundador e diretor do Observatório dos Países Árabes da França: "Quer as negociações sobre a questão nuclear cheguem ou não a bom termo, Teerã torna-se potência incontornável, que estrutura as comunidades xiitas". Completa o especialista: "A partir do momento em que as sanções sejam levantadas, o Irã disporá do descongelamento de US$ 100 bilhões e terá os meios de acentuar sua influência e de desenvolver seus arsenais."

    Volta-se, então, à questão da fé (ou da confiança): se não houver confiança em que o desenvolvimento dos arsenais iranianos não irá ao ponto de buscar a bomba, países como a Arábia Saudita também procurarão a bomba, e uma região que já é a mais explosiva do planeta tornar-se-á incandescente.

    Se, ao contrário, o Irã se limitar à ambição, legítima, de se afirmar como potência regional, mesmo sem a bomba, abre-se espaço, eventualmente, para a política. E para uma eventual discussão religiosa entre xiitas e sunitas, território em que o Ocidente não tem como meter-se sem complicar ainda mais as coisas. Como o Irã já está cooperando na luta contra, por exemplo, o Estado Islâmico -inimigo de todos, Ocidente e países árabes estabelecidos-, trazê-lo de volta ao convívio internacional tende a acentuar essa cooperação. Faz todo o sentido, pois, o empenho do presidente Obama no engajamento com o Irã.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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