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    Clóvis Rossi

    Dilma, olhe para o Reino Unido

    07/05/2015 02h00

    Não fosse pela contundente entrevista de Eleonora de Lucena com esse eterno iconoclasta chamado João Manuel Cardoso de Mello (Folha, 5 de maio), daria para achar que 100% dos brasileiros acham maravilhoso o ajuste fiscal prometido pelo ministro Joaquim Levy.

    Há uma tal unanimidade que fica a sensação de que o ajuste será a salvação não só das contas públicas, mas também a cura para a dengue, o mau hálito, a Aids.

    Para evitar que esse equívoco brutal se dissemine ainda mais é bom olhar para o que aconteceu no Reino Unido, após cinco anos de ajustes, neste dia 7 em que os britânicos vão às urnas.

    Nesses cinco anos, a economia de fato conseguiu recuperar o crescimento, que o governo gaba-se de ter sido, no ano passado, o maior do G7, com 2,8%. Mas, atenção, a renda per capita continuava abaixo do pico pré-crise. Este último e triste número não conta toda a realidade, que só aparece na lista compilada por Larry Elliot, editor de Economia do "The Guardian". Ei-la:

    - Foi a mais lenta recuperação de uma recessão em cem anos (cem anos, note bem).

    - A construção de imóveis está no seu nível mais baixo desde 1920 (quase cem anos, portanto).

    - Indústria e construção operam, ainda, em níveis pré-recessão.

    - 500 mil pessoas a mais nos contratos chamados de "zero hora". São pessoas que ficam à disposição dos agenciadores em período integral, mas só ganham (uma miséria) se forem chamados para alguma tarefa. São a versão britânica dos "boias frias" tapuias.

    - Pela primeira vez desde que existem estatísticas a respeito (1960), ocorreu queda no padrão de vida em um período de cinco anos.

    - Mais 900 mil pessoas passaram a depender dos chamados "bancos de comida", 15 vezes mais do que na eleição anterior, em 2010. É a versão britânica do "sopão dos pobres", tão comum na América Latina nos anos 80 e 90.

    Vale acrescentar um dado publicado pela "The Economist", a revista que "vota" por David Cameron, o atual primeiro-ministro conservador, apesar das restrições a aspectos de suas políticas. Diz a revista que, em termos reais (descontada, portanto, a inflação), os salários caíram, ano após ano, desde 2009, véspera da vitória de Cameron.

    Mais: a promessa do líder conservador era zerar o déficit público que encontrou (de 9,6% do PIB). Adotou a austeridade rígida que levou à queda no padrão de vida. Não zerou nem chegou perto disso (está em algo próximo de 5% do PIB).

    É natural, nessas circunstâncias, que Cameron esteja encontrando dificuldades para se reeleger.

    O mais recente balanço das pesquisas, feito pelo "Guardian", dá aos conservadores 276 cadeiras, 50 a menos do que as 326 que formam a maioria absoluta. Mesmo que repita a coligação governante, com os liberais-democratas, iria só a 303.

    É sempre possível que, na reta final, o eleitorado britânico se volte para os conservadores, por medo da mudança. Mesmo assim, parece claro que ajustes fiscais, tanto no curto como no médio prazo, não asseguram vida fácil nas eleições para quem os promove.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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