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    Clóvis Rossi

    Podemos ou não Podemos?

    31/05/2015 04h00

    Digamos que o Movimento Passe Livre se juntasse a outros grupos sociais de base e eles lançassem um candidato à Prefeitura de São Paulo (ou de qualquer outra grande cidade). Digamos também que esse candidato (ou candidata) ganhasse a eleição. Mudaria a política, certo?

    Pois é, foi o que aconteceu no domingo passado (24) nas eleições municipais espanholas, guardadas, claro, as imensas distâncias entre os dois países. Ada Colau, ativista social, foi a mais votada, como candidata do grupo Barcelona en Comù, cujo componente mais lustroso chama-se Podemos.

    Breve recapitulação das origens do Podemos: em 2011, milhões de espanhóis foram às ruas para protestar contra as condições econômico-sociais e contra a corrupção.

    No essencial, queriam mudar a forma de fazer política.

    Era o chamado movimento dos "indignados", do qual nasceu o Podemos como partido político.

    A questão seguinte necessária é esta: por que, no Brasil, não surgiu um Podemos, se a insatisfação com a política é semelhante à dos espanhóis, talvez até maior?

    (O descontentamento com a política é universal, mas não há espaço para examinar as diferentes maneiras em que se manifesta.)

    Uma das respostas está na entrevista a Giuliana Vallone, correspondente desta Folha em Nova York, de Micah White, um dos criadores do Occupy Wall Street, representação dos "indignados" norte-americanos.

    Para White, "há muito potencial na criação de partidos políticos populares [e para] exigir comportamentos mais complexos das pessoas, como concorrer a um cargo político, buscar votos, participar da administração da cidade".

    Uma segunda resposta é aquela dada por Gaël Brustier, doutor em ciências políticas, para o jornal francês "Le Figaro".

    Brustier diz que os criadores do Podemos foram professores de sociologia, que "leram [Antonio] Gramsci, Stuart Hall e os grandes pensadores da esquerda radical" (eu não chamaria Gramsci de radical, mas passemos).

    A partir daí, "abandonaram voluntariamente os códigos, métodos e o vocabulário tradicional do movimento operário para inventar outros mais contemporâneos".

    Dá para deduzir que os brasileiros que lideraram as grandes manifestações de 2013 nem têm vocação para a difícil arte de criar partidos políticos (os de verdade, de baixo para cima) nem se preocupam em revestir suas reivindicações de embasamento intelectual.

    Este segundo ponto nem seria fundamental, desde que os "indignados" brasileiros assumissem a pauta que Pablo Iglesias, o líder do Podemos, está lançando para fazer alianças pós-eleitorais na Espanha: diz que só se entenderá "com quem está disposto a dar um giro de 180 graus nas políticas de cortes que demonstraram ser um fracasso e mostrem tolerância zero à corrupção".

    Já é um programa mínimo de governo, fácil de ser assumido no Brasil contemporâneo.

    Mas os "indignados" locais preferem não sujar as mãos com a política partidária e eleitoral.

    Sabe quando mudarão o modo de fazer política? Pois é, você sabe.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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