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    Clóvis Rossi

    Rico ri, mas não é à toa

    04/06/2015 04h00

    Saíram, quase simultaneamente, dois estudos que mostram como a desigualdade no planeta está se tornando cada vez mais obscena.

    Na ponta do capital, temos o relatório da UBS (Union des Banques Suisses) sobre os ricos.

    Os dados são sempre chocantes, mas um deles impressiona mais: a renda dos ultrarricos (que corresponde a apenas 0,004% da população adulta mundial) cresceu 6,6% ao ano entre 1992 e 2012.

    Ultrarricos são aqueles que têm ativos de US$ 30 milhões (R$ 94 milhões) ou mais.

    Essa gente viu sua riqueza aumentar, portanto, em ritmo chinês, por mais que, em parte desse período (entre 2008 e 2011), o mundo tenha enfrentado uma crise que reduziu ou desacelerou os ganhos dos mortais comuns.

    Enquanto isso, na ponta do trabalho, temos a seguinte descrição de John Evans, secretário-geral do Comitê Sindical que assessora a OCDE, o clubão das economias mais ricas do mundo:
    "Os governos e as instituições internacionais não estão mudando o modelo de negócio que empurra os lucros para cima mas recusa-se a pagar, por exemplo, um salário básico de US$ 177 por mês no Camboja ou de US$ 120 em Bangladesh".

    Acrescenta Sharan Burrow, secretária-geral da Confederação Internacional de Sindicatos: "A regra para as pessoas que trabalham é a incerteza: renda baixa, empregos precários, com pouca ou nenhuma proteção social, é a realidade para demasiadas famílias".

    Nada disso chega a ser novidade, exceto, talvez, pelos números atualizados no painel da UBS.

    Mas continua sendo chocante. Choca ainda mais quando os dados sobre a riqueza são trazidos para o Brasil.

    Para começar, o Brasil é o décimo país do mundo em número de milionários, por mais que se conheça seu nível de pobreza. Supera (em ricos) países como a Espanha e a Suíça.

    Mas esse nem é o dado mais obsceno. O Brasil é o segundo país do mundo quando se considera o crescimento na taxa de ricos, entre 2013 e 2014 (só fica atrás da China).

    O número de milionários brasileiros cresceu, no período, algo em torno de 350%. Para comparação: nos Estados Unidos, ainda a maior concentração de ricos e ultrarricos, o crescimento foi de magros 20% aproximadamente.

    Estamos falando em anos de estagnação da economia, mas, como se vê pelos dados da UBS, ela não faz nem cócegas nos ricos.

    O que é inacreditável é que ainda há gente que acredita que a desigualdade diminuiu no Brasil nos anos de governo do PT. Falso.

    Diminuiu, se é que diminuiu mesmo, a diferença entre assalariados, mas não entre a renda do capital e a do trabalho.

    Confesso que estou cansado de tratar desse assunto, mas não me parece honesto fugir dele quando a própria OCDE, o clube dos ricos, divulga outro relatório em que diz, segundo o sindicalista Evans: "A crescente desigualdade de renda não é mais apenas uma questão ética; tem custos econômicos e restringe uma recuperação [econômica] de base ampla e sustentada".

    Mais: "Elevada desigualdade leva a uma reduzida mobilidade entre gerações".

    Ou seja, afeta o presente e também o futuro.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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