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    Clóvis Rossi

    Um ano (triunfante) de califado

    28/06/2015 02h00

    Junho é o mês emblemático para o EI (Estado Islâmico). Primeiro porque, no dia 10 de junho de 2014, capturou Mossul, a segunda maior cidade iraquiana.

    Conquista tão emblemática que o primeiro-ministro do Iraque, Haider al-Abadi, disse à Folha, em Davos, que conseguir reconquistar a cidade significaria o começo do fim do grupo islamita.

    Sem essa cidade, deixaria de exercer fascínio sobre os jovens que atraía então.

    Depois, no dia 29 (sempre em junho de 2014), anunciava o restabelecimento do califado muçulmano, sob a liderança de Abu Bakr al-Baghdadi, rebatizado para "califa Ibrahim".

    O califado é um Estado governado segundo os preceitos da sharia, a lei islâmica, e inexiste algo parecido desde a queda do Império Otomano, em 1924.

    Levando-se em conta essa histórico, não é um despropósito atribuir os três atentados de sexta-feira, 26, a uma comemoração do primeiro aniversário do califado.

    Ainda mais que, pelo menos no caso do ataque na França, uma pessoa foi decapitada –e decapitações são a marca registrada do EI.

    Nesse primeiro ano, o grupo radical só registra vitórias, conforme o relato para o precioso site "Al Monitor" de Mohammad-Mahmoud Ould Mohamedou, reitor acadêmico do Centro para Política de Segurança de Genebra:

    "No transcurso desse ano, o EI manteve-se não só em Mossul mas também em Raqqa [cidade síria que lhe serve de capital informal], capturou mais duas cidades no Iraque (Ramadi) e na Síria (Palmira) e governa fatias de território nos dois países do Levante".

    Mais: "Supervisiona uma economia com receitas em grande escala, provenientes primariamente da venda de petróleo de campos iraquianos conquistados. Penetrou em tribos locais, blinda residentes das cidades que controla da criminalidade e paga salários para seus soldados rasos".

    Enfim, de fato parece um Estado e de fato aplica a lei islâmica.

    Seu alcance vai, agora, além do califado autoproclamado: já são 21 os grupos islamitas que declararam publicamente lealdade ao EI.

    A ele aderiram, segundo cálculos das Nações Unidas, 25 mil combatentes de cerca de cem países, não só da Europa, como costuma ser mais divulgado, mas também do remotíssimo Chile, por exemplo.

    Como se fosse pouco, ainda ocupa as redes sociais, com a difusão quase diária de vídeos de alta qualidade técnica, "com edição em ritmo hollywoodiano, tudo com legendas em diferentes idiomas", lembra Ould Mohamedou.

    Se os atentados não forem comemoração do primeiro aniversário do califado, fazem parte, de todo modo, do extraordinário crescimento do terrorismo em geral nos últimos anos.

    De acordo com relatório do Departamento de Estado dos EUA divulgado há dez dias e relativo ao terrorismo no ano passado, o número de vítimas fatais desse tipo de prática nefasta passou de 725 em 2002 para 37.727 em 2014 –impressionantes 5.100% de crescimento.

    É bom ressaltar que a maioria das vítimas é dos próprios países muçulmanos, mas atentados como os de sexta-feira globalizam o medo, objetivo, de resto, proclamado pelo EI faz pouco.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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