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    Clóvis Rossi

    Bolívia chega ao Mercosul em seu melhor momento

    17/07/2015 21h31

    Não deixa de ser irônico que a Bolívia, o país mais pobre da América do Sul, ingresse no Mercosul com a mais alta taxa de crescimento da região: 5,5% no ano passado –de resto, o sétimo ano consecutivo de expansão.

    Mais irônico ainda é que os três grandes países do bloco estão em situação inversa, ou seja, em recessão, conforme projeções que o Itamaraty divulgou nesta sexta, 17, a propósito da cúpula do grupo.

    O Brasil retrocederá 1,03%; a Argentina, 0,3%; e a Venezuela, impressionantes 7%.

    É natural, ante tais números, que Evo Morales, o presidente boliviano, seja o segundo mandatário latino-americano com maior índice de aprovação, conforme levantamento da consultoria mexicana Consulta.

    Tem 75% de aprovação, atrás apenas do dominicano Danilo Medina (85%).

    Dilma Rousseff, como se sabe, tem 10%, segundo o mais recente Datafolha.

    Tudo somado, a entrada da Bolívia é, portanto, uma boa notícia para o Mercosul, que talvez viva o seu pior momento desde a sua criação.

    Significa que um país pobre como a Bolívia continua apostando na integração regional, que é a razão de ser do Mercosul, por mais que não tenha caminhado nos anos mais recentes.

    A boa notícia é em parte ofuscada, no entanto, pelas dificuldades que tendem a surgir com a Bolívia como membro pleno do bloco.

    Há, pelo menos, dois tipos de dificuldade no curto prazo: primeiro, se o Mercosul quer realmente se consolidar vai necessitar, antes cedo que tarde, coordenar as políticas macroeconômicas.

    Se já é difícil hoje, torna-se mais ainda com um segundo país, além da Venezuela, em que o Estado desempenha um papel relevante na economia, no momento em que, no Brasil, há um relativo desembarque do estatismo.

    Um segundo problema: a incipiente cooperação entre o Mercosul e a Aliança para o Pacífico, cuja intensificação foi reafirmada no comunicado da cúpula desta sexta, fica mais complicada porque a Bolívia não tem relações com o Chile, membro relevante da Aliança para o Pacífico.

    É possível, porém, que, para aprofundar a cooperação entre os dois blocos latino-americanos, chilenos e bolivianos flexibilizem suas posições e restabeleçam laços.

    Do ponto de vista ideológico, a entrada da Bolívia quebra o relativo equilíbrio até agora existente no grupo sulino, dividido entre dois países de esquerdismo mais pronunciado (Venezuela, principalmente, e Argentina) e dois mais centristas (Uruguai e Paraguai), com o Brasil tratando de navegar entre ambos.

    Agora, serão dois "bolivarianos", portanto mais radicais (Bolívia e Venezuela). Pode, contudo, haver uma contraposição depois da eleição do fim de ano na Argentina.

    Mesmo que vença Daniel Scioli, o candidato que afinal a presidente Cristina Kirchner teve que adotar, a previsão da grande maioria dos analistas é de que haverá uma guinada para a moderação.

    Para o Brasil, esse equilíbrio é fundamental. Como disse certa vez o então chanceler Celso Lafer, "o Mercosul é destino". Logo, trata-se da prioridade número 1 da diplomacia brasileira, por mais que haja algum desconforto com posições da Argentina.

    Se é assim, é fundamental manter o equilíbrio entre os componentes do grupo.

    Por mais radical que seja Evo Morales, é razoável supor que será pragmático no ponto conjunturalmente de maior interesse para o Brasil, o acordo Mercosul/União Europeia.

    Pelo pragmatismo, Evo tende a ser aliado do Brasil (e do Uruguai) na pressão sobre a Argentina para que a oferta do bloco aos europeus seja suculenta o suficiente para destravar as negociações.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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