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    Clóvis Rossi

    Contreras, um criminoso que morre general

    08/08/2015 12h32

    Pode não ser elegante comemorar a morte de alguém, seja quem for, mas é perfeitamente compreensível que os chilenos tenham se lançado às ruas para festejar a morte do general Manuel Contreras Sepúlveda.

    Ninguém, exceto o próprio chefe de Contreras, o general Augusto Pinochet, personificou tanto a brutalidade do regime que se instalou com o golpe de 1973.

    Tanto é assim que Contreras estava condenado a mais de 500 anos de prisão em 58 sentenças definitivas, fora juízos pendentes.

    Ao contrário de Pinochet, que morreu sem ter sido levado ao devido julgamento, aquele que foi criador e primeiro chefe da execrável Dina (Direção de Inteligência Nacional) recebeu em vida a sua pena.

    Não deixa de ser um mérito da democracia chilena, embora tenha faltado a degradação de Contreras, prevista constitucionalmente: por ter sido condenado, não poderia mais ser general da República. Mas morreu com os galões correspondentes, o que envia um sinal negativo.

    A morte de Contreras manda um segundo sinal negativo: passados pelo menos 20 anos do restabelecimento da democracia em todos os países sul-americanos, ainda não se investigou devidamente a Operação Condor, a multinacional do crime político criada pelos regimes militares que infestaram o subcontinente nos anos 60 e 70.

    A Operação, considerada responsável pela perseguição e morte de críticos dos regimes autoritários, sem respeitar fronteiras, foi originalmente concebida em uma reunião no Hotel Carrasco de Montevidéu, em 1975.

    Entre os chefes militares presentes, o mais relevante era precisamente Manuel Contreras, que comandava um dos picos da fúria repressiva adotada pela ditadura chilena.

    Muito já se escreveu sobre a Condor, mas falta, até agora, pôr a mão em algum documento oficial da reunião de 1975 que detalhe o sinistro entendimento.

    Há alguns anos, o historiador norte-americano Peter Kornbluh, do Arquivo de Segurança Nacional, em Washington, pediu ao governo brasileiro que abrisse seus arquivos militares, no que seria a melhor —ou única— fórmula para se chegar à verdade sobre a Operação Condor.

    Sou testemunha direta do minuciosos que costumam ser documentos emitidos pelas conferências dos exércitos americanos, caso da de 1975.

    Consegui a íntegra relativa a uma delas, a de 1987, e verifiquei o grau de detalhe a que chegam, além da obsessão por uma doutrina de segurança nacional enviesada.

    Além disso, um coronel do serviço secreto boliviano me confirmou, muitos anos atrás, que tem que haver nos arquivos militares alguma coisa consistente a respeito da Condor.

    Como havia pelo menos um representante da ditadura brasileira da época na conferência que criou a Operação, algo deve haver nos arquivos militares brasileiros.

    Até entendo que não haja interesse político do atual governo ou de seus antecessores em pôr a mão nesse vespeiro.

    Mas é do interesse da democracia que os atentados contra ela venham à luz, até para evitar que se repitam. Ou que criminosos como Contreras morram com o grau de general.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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