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    Clóvis Rossi

    O outro grito de 'fora'

    13/08/2015 04h00

    Avisa Dario Fernando Patiño, diretor de notícias da Ecuavisa, principal emissora privada de TV do Equador:

    "Se de algo têm medo os governantes equatorianos é dos indígenas e do povo de Quito. Na quinta-feira (13), estarão juntos em Quito".

    É uma alusão à confluência de dois movimentos dispostos a gritar "Fora, Correa" [Rafael Correa, o presidente]: há o "levantamento" lançado pela Conaie (Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador), na forma de uma marcha iniciada no dia 2 e que chega a Quito para coincidir com uma greve geral, convocada pela Frente Unitária de Trabalhadores e pela Federação de Médicos, entre outras organizações sociais.

    Confluências semelhantes derrubaram os três antecessores de Correa, em 1997, 2000 e 2005.

    É, pois, um desafio formidável para o presidente, o que o levou a tomar duas medidas contrárias a seu hábito de buscar o confronto: primeiro, suspendeu a tramitação de emendas constitucionais a que se opõem os organizadores do protesto e, segundo, licenciou seu chanceler, Ricardo Patiño, para que comandasse um "diálogo nacional", razoavelmente bem-sucedido em cooptar organizações sociais para que respaldem o governo.

    Juan Cevallos - 2.jul.2015/AFP
    Policiais fazem barreira contra opositores do governo de Rafael Correa, em Quito, em 2 de julho
    Policiais fazem barreira contra opositores do governo de Rafael Correa, em Quito, em 2 de julho

    A emenda mais contestada é a que estabelece a reeleição indefinida, o que permitiria ao presidente candidatar-se uma quarta vez, depois de ter vencido as eleições de 2006, 2009 e 2013.

    Mas há também propostas para aumentar impostos, taxando, por exemplo, heranças superiores a US$ 35.400 (R$ 122,2 mil).

    É curioso que um protesto de orientação esquerdista vise um projeto que afetará, segundo o governo, apenas 0,1% da população, que é a fatia que recebe heranças acima desse valor.

    Que o movimento é majoritariamente de esquerda ("esquerda extraviada", segundo o chanceler Patiño) vê-se claramente pela retórica com a qual se convocou o "levantamento":

    Correa e seu movimento político "chegaram ao governo oferecendo uma revolução, mas o que construíram é uma roupagem enganosa para encobrir um novo sistema de domínio e de opressão para favorecer as grandes empresas", em um modelo de "violenta modernização do capital".

    É uma crítica pela esquerda a um presidente que se diz esquerdista e que tinha, até este ano, bons números a apresentar.

    O cres­ci­men­to mé­dio da eco­no­mia, nos anos Correa, foi de 4% anual, o des­em­prego é inferior a 5% e a por­cen­tagem de pobres caiu de 45% a 25%.

    Os sa­lários subiram e a inflação se manteve em torno de 3% gra­ças à do­la­ri­za­ção da economia, que antecede o período Correa, mas foi por ele mantida, apesar de sua retórica anti-norte-americana.

    O problema é que a queda dos preços do petróleo, a principal exportação equatoriana, marcou o fim dos bons tempos: o próprio governo rebaixou a previsão de crescimento para este ano dos 4%, com o que se manteria a média dos anos Correa, para apenas 1,9%.

    Com isso, o modelo da chamada "Revolução Cidadã", muito calcado em subsídios, fica abalado e ressurge o fantasma do movimento indígena, ceifador de presidentes.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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