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    Clóvis Rossi

    Maduro, eleição e uma fronteira problemática

    25/08/2015 17h06

    É evidente que o fechamento da fronteira com a Colômbia no Estado venezuelano de Táchira, seguido da expulsão de colombianos, tem um pano de fundo eleitoral, com vistas à eleição parlamentar de dezembro na Venezuela.

    Diz, por exemplo, Felipe Jaramillo Ruiz, professor associado da Escola de Política e Relações Internacionais da Universidads Sergio Arboleda em Bogotá: "Uma pesquisa de 'Venebarómetro' mostra que mais de 80% dos venezuelanos pensam que a situação do país é negativa. Em consequência, o uso do inimigo externo pode responder a uma estratégia eleitoral".

    O presidente Nicolás Maduro justificou o fechamento da fronteira e a deportação de colombianos como resposta a uma suposta ofensiva de paramilitares da Colômbia, às ordens do ex-presidente Álvaro Uribe, inimigo de sempre do chavismo.

    Reforça Sandra Borda, decana da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Jorge Tadeo Lozano: "Certamente há interesse em alimentar a história do inimigo externo para unificar o eleitorado venezuelano".

    O jornal colombiano "El Tiempo" usa dados eleitorais para reforçar a suspeita: lembra que, embora o Estado de Táchira seja hoje governador por um chavista, nas eleições presidenciais de 2013 deu forte vantagem a Henrique Capriles, o candidato oposicionista (63% a 34% para Nicolás Maduro).

    O professor Jaramillo acrescenta um elemento do calendário para ver conotação eleitoral na ação venezuelana: "Se o estado de exceção for estendido por 60 dias adicionais, além dos 60 agora previstos, poderia afetar a campanha eleitoral, que começa dia 13 de novembro".

    Essa suposta ou real intenção eleitoral não elimina, no entanto, o fato de que a fronteira agora fechada é um foco permanente de problemas.

    Por ela transitam diariamente cerca de 450 mil pessoas e até US$ 400 mil (R$ 1,4 milhão) entre comércio e fluxo de divisas.

    Diz a professora Sandra Borda: "Nem o governo venezuelano nem o colombiano levaram a sério a situação na fronteira. Tem sido, tradicionalmente, um lugar com pouca presença estatal de ambos os lados".

    Acrescenta: "Nenhum dos dois países desenhou uma política pública de longo prazo para resolver a criminalidade, o contrabando e a presença de paramilitares e guerrilhas".

    Ou seja, Maduro usa um problema real (o trânsito de paramilitares e contrabandistas) para um uso supostamente eleitoral.

    O problema é que os deportados de agora não parecem nem contrabandistas nem paramilitares.

    Diz Sandra Borda: "Os colombianos que estão sendo deportados chegaram, em sua grande maioria, faz mais de dez anos. É gente que emigrou atraída pela bonança venezuelana [nos anos de petróleo caro], que ficou e que, em parte, desfrutou do sistema de subsídios implementado pelo governo venezuelano".

    As cenas mostradas pela NTN24, a emissora de notícias 24 horas da Colômbia, são de fato de famílias jogadas na Colômbia apenas com a roupa do corpo e que dizem ter documentos venezuelanos, ou seja, não vivem ilegalmente no país.

    Pior: contam também que algumas de suas casas foram pichadas com a letra "D" (de demolição) —uma ação que inevitavelmente remete aos pogroms promovidos pelo nazismo contra os judeus, cujas casas eram pintadas com a estrela de David amarela.

    O presidente Maduro desmente, como é óbvio, qualquer preconceito: "Amamos tanto o povo colombiano que aqui vivem mais de 5 milhões de colombianos".

    De fato, muitos colombianos, na zona fronteiriça, preferem morar na Venezuela e trabalhar na Colômbia. Recebem em uma moeda mais forte que, trocada no câmbio negro, permite comprar muito mais do que na Colômbia.

    O que incentiva o contrabando é a anomalia da política cambial venezuelana (o dólar paralelo vale uns 170 bolívares, quando o oficial não vai além de 6 bolívares).

    As cenas vistas na TV colombiana são, de fato, de gente que faz o contrabando formiga, não os grandes barões —seja do contrabando, seja dos paramilitares a ele associados.

    Para Sandra Borda, é uma situação sem saída: "Não há, insisto, uma política binacional de fronteiras estrutural e de longo prazo. Nessas circunstâncias, estamos condenados a que essas crises ocorram inevitavelmente a cada certo tempo".

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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