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    Clóvis Rossi

    A crise que só Dilma não viu

    31/08/2015 02h00

    De duas, uma: ou a presidente Dilma Rousseff é muito distraída ou mentiu na entrevista dada na semana passada à Folha, Globo e Estadão.

    Nela, afirmou: "A crise começa em agosto, mas só vai ficar grave, grave mesmo, entre novembro e dezembro [de 2014]".

    Não, presidente, a crise já estava grave, muito grave, antes disso: a economia brasileira retrocedeu nos dois primeiros trimestres de 2014, o que, tecnicamente, significa recessão.

    Portanto, em agosto (o mês em que os dados do segundo trimestre foram dados a público), a situação já era "grave mesmo". Ou recessão não é grave, presidente?

    Pior: o investimento vinha caindo desde o terceiro trimestre de 2013 e continuou caindo em todos os trimestres sucessivos até agora.

    Ora, qualquer criança escolarizada sabe que queda do investimento, ainda mais em série, é sinal de crise grave, porque o crescimento à frente fica anêmico ou desaparece (como de fato desapareceu).

    Tem mais: o site "Aos Fatos" justificou o nome e montou uma tabelinha sobre a arrecadação federal que mostra que, antes de agosto, a economia já estava estrebuchando: em julho/14, a arrecadação foi 0,23% inferior à de julho/13.

    Foi o terceiro mês consecutivo em que a arrecadação aumentou muito menos do que nos mesmos períodos de 2013 ou até retrocedeu, como em julho.

    Arrecadação crescendo pouco ou nada é óbvio sinal de problemas para as contas públicas.

    Problemas para a economia vinham de mais longe ainda, conforme se lê na Carta de Conjuntura do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) de dezembro de 2013, igualmente recuperada pelo "Aos Fatos".

    O texto do Ipea dizia que "a perda de dinamismo da região [América do Sul] se deve basicamente a três fatores: a deterioração dos termos de troca; o menor crescimento da economia mundial, especialmente com a recessão na Europa e a desaceleração chinesa; e o esgotamento do impacto das medidas anticíclicas adotadas em toda a região em reação à crise financeira de 2008-2009. Aparentemente, os países do Mercado Comum do Sul (Mercosul) –em especial, a Argentina, o Brasil e o Paraguai– foram mais rapidamente afetados, de forma que o crescimento do PIB se desacelerou fortemente já em 2012".

    De fato, a economia brasileira cresceu, em 2012, apenas 1% na comparação com o ano anterior.

    Uma gerente atenta teria acendido o sinal vermelho ante dados (oficiais) desse teor.

    No entanto, a gerente Dilma só viu algo um pouco preocupante no mês seguinte, agosto, mas esperou até novembro e dezembro para constatar algo "grave, grave mesmo".

    Agora, a presidente diz que, "talvez", a inflexão da política econômica devesse ter começado antes.

    Deveria, claro, mas havia no horizonte um obstáculo intransponível, a eleição de outubro.

    Você conhece algum governante, fora Winston Churchill, que se anime a pedir "sangue, suor e lágrimas"?

    Se, ocultando a verdade, Dilma venceu por pouco, imagine o que aconteceria se não a ocultasse. Ela ganhou o governo, mas arruinou a governabilidade.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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