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    Clóvis Rossi

    E se o Planalto não for o Incor?

    16/10/2015 12h24

    Li na quinta-feira (15), como todos os dias, a coluna de Vinicius Torres Freire, o melhor colunista econômico do país. O título dizia praticamente tudo: "Fim dos tempos".

    Era um relato do Apocalipse Now (2015), mas também mais adiante (2016, talvez 2017 e quem sabe até quando mais).

    Minha memória voltou a 1985, à agonia do presidente Tancredo Neves no Incor.

    Explico a correlação, que pode parecer estranha: o noticiário sobre Tancredo, pelo menos na Folha, era correto, mas impiedoso (ou impiedoso, mas correto, o leitor que escolha).

    Tão impiedoso que, um dado dia, a manchete foi "Médicos esfriam Tancredo". Provocou revolta entre familiares e correligionários, mas era factualmente correto.

    Aí, um certo dia, aparece em casa uma amiga de minha mulher com um apelo: "Olha, não é que não acredite na Folha, mas vocês podiam ao menos nos dar um pouco de esperança".

    Não demos e fizemos bem de não dar: o presidente morreu dois ou três dias depois.

    Jorge Araújo - 15.jan.1985/Folhapress
    FOTO ARQUIVO: HÁ 20 ANOS MORRIA ULYSSES GUIMARÃES - Em 12 de outubro de 1992 morreu o político brasileiro Ulysses Guimarães - BRASÍLIA, DF, BRASIL, 15-01-1985: O político Tancredo Neves no Congresso Nacional, em Brasília (DF), em 15 de janeiro de 1985, quando é proclamado presidente da República pelo Colégio Eleitoral. (Foto: Jorge Araújo/Folhapress)
    Tancredo Neves (à esq.) ao ser proclamado presidente eleito; ele morreria antes de tomar posse

    Volto a 2015: depois de ler o texto do Vinicius, deu vontade de ligar para ele e pedir: "Vini, não é que não acredite em você (e no seu apocalipse), mas será que não dá para dar alguma esperança de que o Brasil não vai acabar?"

    Não é a única correlação a fazer. O noticiário sobre a presidente Dilma Rousseff parece ter ligado o modo Tancredo: as redações, pelo menos as principais, parecem estar todas trabalhando como se Dilma estivesse para cair, ou pelo impeachment ou pela cassação da chapa ou, conforme a lista do diretor da Câmara dos Deputados, pelo suicídio (a que ponto chegamos, meu Deus).

    No caso de Tancredo, dava para trabalhar com a iminência de um desenlace porque se tratava de ciência. Era pegar os dados sobre os exames feitos no paciente e os sucessivos problemas (e cirurgias) que iam aparecendo, levar para médicos competentes traduzi-los, e eles não deixavam, de fato, margem para otimismo.

    No caso de Dilma, não há ciência, mas política —e política de uma sordidez, de todas as partes envolvidas, de dar náuseas.

    Em sendo assim, a quantidade de fatores envolvidos é tal que qualquer previsão sobre o desenlace se torna irresponsável.

    Li outro dia em "El País" o seguinte ditado sefardita (os judeus originários da Península Ibérica): "Pode-se dizer fogo sem queimar a boca".

    É, pode-se. Mas talvez esteja na hora, depois de o caso para o impeachment ter sido examinado por todos os ângulos, de gritar também algo diferente de "fogo" e preparar o leitor para a hipótese inversa, qual seja a de que Dilma sobreviva no cargo até 31 de dezembro de 2018.

    Vinicius Torres Freire fez a parte dele na quinta, pintando um cenário apocalíptico na economia. E no resto, como serão os três anos, dois meses e meio de Dilma? Um longa-metragem de terror, como chegou a prever o "Financial Times" tempos atrás?

    Volto à comparação com o caso Tancredo: sabíamos à época o que aconteceria. Viriam José Sarney e o velho PMDB, então um "partido-ônibus", como o definiu Fernando Henrique Cardoso, porque nele cabia todo o mundo.

    Agora, o PMDB é de novo a alternativa a Dilma, mas se for o PMDB de Eduardo Cunha, viro dilmista desde criancinha.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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