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    Clóvis Rossi

    O veneno que corrói o Brasil

    18/10/2015 02h00

    A concessão do Nobel de Economia a Angus Deaton deveria servir de alerta para o rumo que o Brasil está seguindo.

    Refiro-me especificamente a uma frase sua em entrevista no dia do anúncio do prêmio: crescimento mais lento "envenena tudo", disse.

    Vale para o mundo todo, vale mais ainda para o Brasil neste 2015: envenenou tanto a política que pôs em risco o emprego da presidente Dilma Rousseff.

    Angus Deaton acha particularmente incendiária a combinação crescimento mais lento/aumento da desigualdade.

    Nesse capítulo, o Brasil é um caso especial: dificilmente pode haver aumento da desigualdade porque ela já bateu no teto –e não é de hoje.

    É verdade que alguns acadêmicos e alguns lulistas hidrófobos tentaram defender a tese de que a desigualdade diminuiu nos anos Lula. Falso.

    O que pode ter diminuído –e ainda faltam estudos realmente conclusivos– é a desigualdade entre salários. Mas não diminuiu e pode até ter aumentado a desigualdade entre rendimento do capital e do trabalho, conforme atestaram pesquisadores do Ipea.

    Larry Levanti/Efe
    Angus Deaton, Nobel de Economia de 2015
    Angus Deaton, Nobel de Economia de 2015

    Por sua vez, Dyelle Menezes, no site Contas Abertas, fez a seguinte comparação: apenas neste ano, R$ 277,3 bilhões estão autorizados no Orçamento para "juros e encargos da dívida".

    Já o montante destinado ao Bolsa Família nos últimos 15 anos foi inferior a esse gasto com juros (somou R$ 221,7 bilhões).

    Quer dizer o seguinte: os portadores de títulos do governo, uns poucos milhões, recebem EM UM ANO mais do que ganham EM 15 ANOS 42 milhões de pessoas, a clientela do Bolsa Família, os pobres entre os pobres.

    Preciso desenhar que está havendo transferência de renda dos pobres para os ricos?

    O prêmio a Deaton inclui um segundo recado sobre a atualidade brasileira: em entrevista a "El País", o agora Nobel disse que "os programas de austeridade que muitos países padecem nos farão infelizes, talvez durante muitos anos".

    Completou: "Essas políticas reduzem receita, recortam benefícios e destroem empregos".

    Antes de prosseguir, uma observação: a culpa do baixo crescimento brasileiro não é da austeridade defendida pelo ministro Joaquim Levy, pela simples e boa razão que ela nem estava em vigor no ano passado, quando o crescimento já era esquelético, nem está em pleno funcionamento agora, quando se projeta uma baita recessão.

    Feita a ressalva indispensável, vale o fato de que políticas como as que Dilma está tentando implementar "reduzem receita, recortam benefícios e destroem empregos".

    Se, em um futuro que não está no horizonte, a austeridade gerará o saneamento das contas públicas e, graças a este, levará ao paraíso, é outra história, que o Nobel de Economia não compra.

    Não compra porque a maioria de seus colegas erra ao tratar o com­por­ta­men­to do con­su­mi­dor "­mé­dio" como re­pre­sen­ta­ti­vo da va­rie­dade de com­por­ta­men­tos in­di­vi­dua­is.

    Não é assim, demonstrou Deaton, em parte do estudo que lhe valeu o Prêmio Nobel.

    É o mesmo que dizer que previsões em economia são precárias, posto que dependem de zilhões de comportamentos individuais.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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