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    Clóvis Rossi

    Argentina, rumo à moderação

    25/10/2015 02h00

    Das 11 eleições a que pôde concorrer em seus praticamente 70 anos de vida, o peronismo ganhou nove.

    E as duas que perdeu foram para o radicalismo, um movimento nascido social-democrata, mas que depois se inclinou à direita e está quase desaparecido.

    25.mai.2015/AFP
    A presidente Cristina Kirchner, ao lado do candidato governista Daniel Scioli, em maio em Buenos Aires
    A presidente Cristina Kirchner, ao lado do candidato governista Daniel Scioli, em maio em Buenos Aires

    Por essa história e pela popularidade relativamente elevada de que goza a chefe de turno do movimento, a presidente Cristina Fernández de Kirchner, é razoável prever que Daniel Scioli, o candidato peronista da vez, será eleito presidente da Argentina ou neste domingo, 25, ou em um mês, no segundo turno.

    A dúvida mais relevante não é, portanto, em torno do resultado, mas sobre a continuidade ou não do modelo kirchnerista.

    O DNA peronista diz que Scioli não será para Cristina o que Dilma está sendo para Lula.

    Escreve, por exemplo, para a revista "Nueva Sociedad", María Esperanza Casullo, doutora em Governo pela Georgetown University:

    "Quem faz a sutura [do peronismo] e lhe dá uma direção em cada momento histórico determinado é a liderança pessoal do chefe, tipicamente o titular do Poder Executivo".

    Se é assim, neste domingo nasce o "sciolismo"e passa a segundo plano o "kirchnerismo".

    É uma hipótese confirmada pelos nomes já anunciados por Scioli para o seu futuro ministério: não há um único integrante de "La Cámpora", o grupo que forma o núcleo duro do "kirchnerismo".

    No cargo mais importante, o de ministro da Economia, sai o fidelíssimo "kirchnerista" Axel Kicillof e entra a fidelíssima "sciolista" Silvina Batakis, ministra da Economia na província de Buenos Aires, que Scioli governa.

    A propósito, escreve para o sítio "Infolatam" o pesquisador Manuel Mora y Araujo:

    "O gabinete que Scioli está pré-anunciando inclui nomes conhecidos, moderados, com um perfil que combina o técnico e o político. É um gabinete que tranquiliza os mercados, dá confiança aos produtores e augura uma política exterior também moderada e equilibrada ['equilibrada', na Argentina, significa nem muito pró-norte-americana nem muito inclinada ao chavismo bolivariano]".

    Não é à toa, portanto, que Horacio González, diretor da Biblioteca Nacional e uma das mais lustrosas grifes de "Carta Abierta", o coletivo de intelectuais "kirchneristas", tenha dito faz pouco: "Vamos votar em Scioli, despedaçados e com cara amarrada".

    O que significaria a troca do "kirchnerismo" pelo "sciolismo"? Em política interna, é a troca da crispação, característica permanente dos anos Cristina, pela conciliação, que está no DNA de Scioli.

    A futura ministra da Economia, Silvina Batakis, deu uma pista de que Scioli cuidará imediata, mas cautelosamente, de fechar a brecha entre o dólar paralelo e o oficial, hoje de cerca de 70%.

    Contou que seu filho de 10 anos lhe pediu de presente de aniversário uma nota de US$ 10, uma demonstração da obsessão dos argentinos pela moeda dos EUA, o que só se corrige, eventualmente, com um valor mais realista do peso argentino, o que implica desvalorizá-lo.

    crossi@uol.com.br

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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