• Colunistas

    Sunday, 19-May-2024 13:13:48 -03
    Clóvis Rossi

    O que a Venezuela quer esconder

    26/10/2015 02h00

    Se você quiser saber os motivos pelos quais o governo da Venezuela põe tantos obstáculos ao monitoramento das eleições parlamentares de dezembro até de uma organização, a Unasul, amiga e/ou omissa ante os desmandos do bolivarianismo, basta ler o que diz Alexander Guerrero, presidente da firma TecnoEconomica:

    "É absolutamente patético. Estamos sendo testemunhas do colapso total de uma economia. Uma contração destas proporções [queda de 10% do PIB] poderia ser um caso único nos últimos 50 anos no mundo. Nem sequer o PIB do Iraque caiu nessa proporção durante a guerra."

    Acrescente uma inflação que, ao final do ano, baterá em 160%, como prevê o FMI, e o segundo maior número de homicídios por 100 mil habitantes, atrás apenas de Honduras, e tem-se uma situação em que governo algum pode ganhar qualquer eleição.

    Tanto não pode que as mais recentes pesquisas, de quatro diferentes institutos, coincidem em dar vantagem à oposição venezuelana, com margens que variam de 18 a 25 pontos percentuais.

    No entanto, o presidente Nicolás Maduro acaba de declarar que "as eleições, há que ganhá-las, seja como for".

    O "seja como for" inclui manobras como remanejar os distritos eleitorais, dando mais assentos no Parlamento aos que tradicionalmente votam mais pelo chavismo.

    Inclui manter candidatos fortes como presos políticos.

    Inclui manter em estado de exceção 23 municípios, que outorgam 9 dos 167 lugares em jogo.

    Sem falar na onipresença do chavismo na televisão, a mídia que, no mundo todo, é a mais acompanhada pelo público.

    É por essa razão que o Tribunal Superior Eleitoral brasileiro previa iniciar o processo de observação eleitoral na Venezuela no dia 15 de outubro, pouco menos de dois meses antes da votação (dia 6 de dezembro).

    Seria o tempo mínimo para poder avaliar se há ou não equidade na disputa. O tribunal brasileiro já tivera uma primeira aproximação negativa a esse respeito quando dois de seus juízes estiveram na Venezuela para acompanhar as primárias que indicaram os candidatos da oposição.

    Tiveram seu acesso limitado e estavam permanentemente acompanhados de funcionários do governo, o que, como é óbvio, inibe qualquer manifestação crítica ao processo.

    Houve sucessivas manobras protelatórias de parte do chavismo até passar o prazo originalmente pensado (15 de outubro), o que "inviabiliza uma observação adequada", conforme a nota oficial que o TSE emitiu ao anunciar que desistia de participar da missão de observação.

    Agora, o destino dessa missão, fundamental para atestar (ou contestar) a lisura do processo, está no ar. O governo venezuelano diz que não vetou Nelson Jobim, designado pela presidente Dilma Rousseff para ser o chefe da delegação.

    Mas, com a conivência da secretaria-geral da Unasul, pôs outros nomes na roda, em veto branco.

    Criada a saia justa, o governo brasileiro diz que mantém a designação de Jobim, mas, como o TSE saiu do processo, perdeu-se a valiosa expertise que só ele pode dar, o que deixa Maduro à vontade para ganhar a eleição, "seja como for".

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024