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    Clóvis Rossi

    Em liquidação, mas não liquidado

    03/11/2015 16h48

    Lida apressadamente, a frase de Abílio Diniz, segundo quem o Brasil está "em liquidação", pode dar a impressão de que o país está liquidado, em processo falimentar, no fim da linha.

    O que, de resto, combinaria à perfeição com o tom do noticiário dos últimos muitos meses, que relatam uma crise bem feia, tanto política como econômica.

    Mas não foi o que Diniz quis dizer, como se percebe quando se lê a notícia além do título. O que o empresário está afirmando é o óbvio: o Brasil está barato.

    Claro: com a desvalorização acentuada do real, os ativos brasileiros estão de fato a preço de liquidação, se cotados na moeda norte-americana.

    É muito diferente, no entanto, de uma falência, do que dá prova, de resto, o mais recente ranking internacional, o do Instituto "Legatum", um centro londrino de pesquisas cujo foco é promover a prosperidade.

    Anualmente, divulga, como é próprio de sua missão, o "Índice de Prosperidade", que mede bem mais do que o tradicional PIB (Produto Interno Bruto).

    Inclui oito itens, com inúmero subitens: Economia, Empreendedorismo e Oportunidades, Governança, Educação, Saúde, Segurança, Liberdade Pessoal e Capital Social.

    O Brasil fica em uma posição ruim, para o meu gosto (54º lugar entre 142 nações), mas melhor do que na maioria dos índices globais recentemente divulgados.

    No mais abrangente Índice de Desenvolvimento Humano, por exemplo, o Brasil é o 79º colocado, posto humilhante para um país que é a nona economia do planeta (seu PIB desvalorizou-se, como é óbvio, com a desvalorização de sua moeda).

    É em alguns subitens, entretanto, em que melhor se verifica que o país não está em estado terminal. Exemplo: crescimento da economia. Foi medíocre, para dizer o menos, nos últimos anos (1,8% na média anual dos cinco anos até 2014, segundo o Legatum). Mas, ainda assim, está rigorosamente no mesmo nível da média global (1,7%, aliás, até levemente inferior).

    Claro que há classificações horrorosas, como a do item Educação (84º, 30 posições atrás da classificação geral). Mas é tão comum o horror nesse capítulo que o brasileiro parece anestesiado.

    Fica a impressão de que alguma maldição divina condena o país a ter uma educação infernalmente ruim.

    Pulo, por isso, para os outros itens menos negativos ou até positivos, pelo menos para o conformismo que caracteriza o brasileiro (estou só constatando, não concordando).

    No capítulo "Segurança", são 36,4% os que dizem ter medo de caminhar sozinhos à noite, porcentagem que parece baixa ante a mentalidade de estado de sítio que caracteriza boa parte dos brasileiros. E é uma porcentagem bem inferior à da média global (61,9%).

    Note-se, em todo o caso, que é em "Segurança" que aparece a pior classificação brasileira (85º lugar), atrás até do 84º da "Educação".

    O ranking contém uma riqueza de dados que não permite resumi-los aqui. Quem se interessar, o acesso é por www.prosperity.com.

    Vale a pena, de todo modo, registrar um segundo índice em que se podem achar dados negativos e outros não tanto sobre o Brasil.

    Trata-se do balanço sobre migração da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

    O dado negativo: uma porcentagem relativamente elevada de emigrantes (27,8%) tem nível elevado de educação, pouco abaixo dos 34,8% de baixo nível educacional.

    Sugere, primeiro, uma fuga de cérebros, ponto obviamente negativo para o desenvolvimento, e, segundo, que uma parte importante da emigração não é uma fuga da pobreza, mas desalento com o país.

    O dado relativamente positivo: são apenas 7% os que fazem planos para emigrar nos próximos 12 meses. Pena que sejam dados relativos apenas ao período 2007/13, antes, portanto, que a crise se tornasse aguda, o que deve ter aumentado o desejo de fugir desse país "em liquidação".

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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