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    Clóvis Rossi

    Estamos perdendo a guerra

    16/11/2015 02h00

    John Kerry, o secretário norte-americano de Estado, diz, com segurança e com razão: é impossível resolver o problema representado pelo Estado Islâmico sem antes resolver a questão síria.

    Concordo, Kerry, mas há uma pergunta inevitável: resolvido o problema sírio, resolve-se realmente o problema do terrorismo?

    Mikhail Bogdanov, vice-ministro russo das Relações Exteriores, parece achar que sim. Disse à Folha que o problema sírio é de governança e, uma vez estabelecida esta, nos termos negociados em Viena no sábado, 14, ela estaria assegurada, acha Bogdanov.

    Em Viena, o que se acertou é um processo de transição, após um indispensável cessar-fogo, seguido de eleições dentro de 18 meses.

    Aí a Síria teria um governo legítimo, o que lhe daria condições de estabilizar-se. Enquanto isso, no entanto, Bogdanov defende, como quase todo mundo, a continuação e/ou a intensificação das operações militares contra o Estado Islâmico (ele jura que a Rússia está operando contra os terroristas instalados na Síria, uma jura que não tem total credibilidade no Ocidente; os EUA, por exemplo, acreditam que a Rússia ataca todos os adversários do ditador Bashar al-Assad, terroristas ou não).

    Muito bem, digamos que os caminhos Kerry e Bogdanov confluam e se inicie um processo de paz na Síria.

    Combinaram com o Estado Islâmico? Não. Derrotá-lo militarmente exigiria pôr tropas em terra, o que é complicado, como admite Laurent Fabius, o chanceler francês:

    "Para uma intervenção militar por terra, seriam necessárias várias dezenas de milhares de homens, resultando, provavelmente, em pesadas perdas", disse ele em recente entrevista ao "Parisien".

    Sem tropas em terra, é pouco provável que o Estado Islâmico permita a realização de uma eleição minimamente normal em prazo tão curto.

    Mesmo na hipótese de que o grupo terrorista seja desalojado dos territórios que ocupa na Síria e no Iraque, o problema do terrorismo não desapareceria.

    Seria simplesmente deslocado das decapitações no Oriente Médio para, por exemplo, explosões na França. Como informa o "Financial Times" deste fim de semana, a França calcula que existam 571 cidadãos do país lutando por organizações terroristas, o que inclui 246 que já retornaram ao seu país.

    Como os atentados da sexta-feira envolveram, ao que tudo indica, apenas oito terroristas, há 30 vezes mais "soldados" já disponíveis em solo francês.
    Na verdade, são muitos mais, sempre segundo o "FT": cidadãos franceses envolvidos em células terroristas (adormecidas, mas facilmente mobilizáveis) são cerca de 2.000, e há outros 3.800 que mostram sinais de radicalização islamista.

    Em outros países europeus e mesmo nos Estados Unidos, há um "exército de reserva" em condições de atacar a qualquer momento e que terá sangue nos olhos se o Estado Islâmico for expulso do seu autodenominado califado.

    Entende-se, nesse cenário sombrio, por que os líderes do G20, que são as grandes potências mundiais, não estão conseguindo ir além de declarações óbvias de condenação à barbárie.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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