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    Clóvis Rossi

    A esquerda bateu no teto?

    26/11/2015 02h00

    Falando a título pessoal, não como membro do governo ou do PT, Marco Aurélio Garcia defende a necessidade de a esquerda fazer uma reflexão mais profunda "sobre onde estamos [na América Latina] depois de 12, 15 anos de mudança".

    E pergunta: "Será que a esquerda bateu no teto?"

    Pergunta inevitável quando se sabe que o resultado na Argentina marca a quebra da invencibilidade de esquerda, se se excluir a derrota para Sebastián Piñera no Chile.

    Marco Aurélio não está sozinho. Luis Bruschtein, colunista do "Página 12", o porta-voz do kirchnerismo, escreveu após a derrota:

    "O projeto que inclui os setores populares está em uma encruzilhada. É um projeto que pode desandar em termos teóricos e esvaziar-se de conteúdo e também pode ficar estéril, perder sua capacidade de disputar o poder".

    Raúl Ferrari - 24.nov.2015/Xinhua
    O presidente eleito da Argentina, Mauricio Macri
    O presidente eleito da Argentina, Mauricio Macri

    Não acho que a derrota do kirchnerismo seja suficiente para concluir que a esquerda bateu no teto e que o resultado na Argentina signifique o princípio do fim de uma era em que esquerdas de diferentes tonalidades –mais vermelhas ou menos vermelhas– de fato tomaram conta de boa parte da América do Sul.

    Primeiro, porque a derrota não foi contundente. Quarenta e oito por cento dos argentinos votaram pelo candidato do governo, ainda que ele, Daniel Scioli, não possa ser chamado de esquerdista.

    A Argentina está rachada praticamente ao meio.

    A derrota da esquerda, na verdade, deu-se antes, configurada pela impossibilidade de a presidente Cristina Kirchner criar um candidato que fosse de fato representativo de sua corrente.

    Feita essa ressalva, é óbvio que, Argentina à parte, há outros indícios de que a chamada "onda rosa" parece refluir.

    O Brasil talvez seja o melhor exemplo. As pesquisas demonstram com clareza o tremendo desprestígio da presidente Dilma Rousseff e de seu partido, o PT.

    Na Venezuela, todas as análises mais consistentes indicam que só há uma de duas possibilidades, ambas ruins para o governo: ou a oposição colhe a maioria dos votos e fica com a maioria das cadeiras na eleição parlamentar do dia 6 ou faz pelo menos a maioria dos votos, mas não a maioria das cadeiras, prejudicada pela conformação dos distritos.

    Não parece haver, portanto, possibilidade de vitória do governo em votos e em cadeiras.

    Mas, mesmo em meio a uma crise fenomenal, o pesquisador Luis Vicente León, crítico do chavismo, diz que Hugo Chávez, embora morto, preserva uma popularidade 30 pontos mais elevada que a do presidente Maduro.

    Não custa lembrar que foi Chávez que inaugurou a "onda rosa" em 1999, três anos antes da vitória de Luiz Inácio Lula da Silva.

    Outro ícone da esquerda, o equatoriano Rafael Correa, enfrentou em agosto protestos liderados por um dos movimentos indígenas, exatamente o setor que esteve na origem de sua ascensão.

    Só o boliviano Evo Morales parece voar em céu de brigadeiro.

    Tudo somado, pode ser cedo para extrapolar os resultados argentinos para o resto do subcontinente, mas não para uma reflexão sobre eles, à direita e à esquerda.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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