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    Clóvis Rossi

    O empurrão para o abismo

    03/12/2015 02h00

    Os dados sobre a fenomenal recessão que o Brasil está sofrendo, divulgados na terça-feira (1º), colocavam o país à beira do abismo.

    No dia seguinte, a quarta-feira (2), o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, deu o empurrão final, em um gesto covarde e canalha.

    Cunha não tomou a sua decisão com base em pareceres jurídicos minimamente articulados e, sim, por vingança, depois que os três deputados do PT integrantes do Conselho de Ética decidiram votar contra ele.

    À vista dos fatos que existem contra o presidente da Câmara, a simples hesitação dos petistas, aconselhados pelo governo, já era uma canalhice inominável.

    Ou, posto de outra forma: quando um ator (no caso, três) deixa de ser canalha, o ator contrário solta nas costas da presidente o punhal afiado que vinha mantendo como uma espécie de habeas corpus preventivo a seu próprio favor.

    Pedro Ladeira/Folhapress
    O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que acatou pedido de impeachment de Dilma
    O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que acatou pedido de impeachment de Dilma

    Em qualquer circunstância, a abertura de um processo de impeachment de um governante é um complicador não só político, mas econômico.

    Mas, nas circunstâncias em que se encontra o Brasil, é de fato um mergulho no abismo.

    Repassemos um pouco as circunstâncias:

    Segundo Joe Leahy, o excelente correspondente do "Financial Times" no Brasil, o país corre risco de sofrer sua pior retração desde os anos 30 -época que é paradigma de crise virulenta.

    Mais que recessão, trata-se de depressão, a julgar pela opinião de Alberto Ramos (Goldman Sachs), sempre no "FT":

    "O que começou com uma recessão gerada pela necessidade de ajustar uma economia que acumulou grandes desequilíbrios está agora mudando diretamente para uma depressão econômica".

    Não dá, pois, para negar razão à análise do Instituto de Estudos do Desenvolvimento Industrial quando diz: "A devastação da presente recessão brasileira parece não ter fim e não encontrar paralelo em qualquer outro momento da nossa história econômica recente". (Recente e não tão recente, acrescento.)

    Temos, então, "depressão", "devastação" e, se não bastasse, "desindustrialização", conforme aponta ainda o Iedi: de fato, a indústria retrocedeu 7,3% e 8,1% nos dois primeiros trimestres do ano, respectivamente, e caiu ainda mais no terceiro trimestre (11,3%).

    É nesse cenário tremendo que incide o início do processo de impeachment.

    Quem perdeu o emprego recentemente ou quem está sofrendo com a crise poderia até explodir e dizer: bem feito, mesmo que não haja fundamentação jurídica, Dilma precisa ser afastada, por incompetência.

    Incompetência não é, feliz ou infelizmente, causa para o afastamento de presidente.

    Além disso, parece evidente que mesmo que Dilma seja afastada, a crise não será resolvida, até porque o mundo político brasileiro é um deserto.

    É impossível discordar de Antonio Jiménez Barca, correspondente de "El País" no Brasil, quando diz que "o des­cré­di­to da eli­te bra­si­leira (po­lí­ti­cos, em­pre­sá­rios, al­tos funcionários) é to­tal, e isso in­ci­de no cli­ma fu­nes­to que se fecha so­bre o país".

    À depressão econômica soma-se, pois, a depressão política. Pobre país.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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