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    Clóvis Rossi

    Brasil, salve a Venezuela

    06/12/2015 02h00

    A recessão na Venezuela (previsão de 9,2% neste ano) é o dobro da brasileira, segundo economistas venezuelanos. A inflação é uma indecência incomparável (208,6% em 2015).

    Se Dilma Rousseff, com números feios, mas não tão assombrosos, está no fundo do poço, como imaginar que o governo da Venezuela possa vencer as eleições legislativas deste domingo (6)?

    É por isso que o Itamaraty divulgou, na quinta-feira (3), uma inusual nota sobre o pleito no vizinho, que, desbastada a inevitável cautela diplomática, quer dizer o seguinte: caro companheiro Maduro, estamos de olho, veja lá o que fará durante a votação e a apuração e, principalmente, depois dos resultados.

    A nota chega tarde porque o governo inclinou tremendamente a seu favor o campo de jogo durante a campanha.

    Mas é uma advertência ainda necessária porque o Brasil tem todo o interesse em que a Venezuela não mergulhe de vez nos infernos.

    Interesse que é geopolítico (a Venezuela é membro pleno do Mercosul), mas que é também pragmático: recente reportagem do jornal "Valor Econômico" mostrou que as empresas públicas da Venezuela devem US$ 2,5 bilhões (R$ 9,4 bilhões) a companhias brasileiras.

    Mais tumulto tornaria ainda mais complicado recuperar esses recursos, tão necessários nestes momentos de pindaíba aguda.

    Por tudo isso, o Brasil deveria dar sequência ao seu incipiente despertar público para a situação do vizinho e limar um pouquinho o respeito até aqui sacrossanto ao princípio de não intervenção em assuntos internos.

    Ou, posto de outra maneira, o Brasil deveria oferecer seus bons ofícios para ajudar a Venezuela a sair de sua crise.

    Não vale dizer que o Brasil é que precisa de ajuda para sair de sua própria crise: a comparação com a Venezuela faz com que "a bagunça brasileira pareça um passeio no parque", como escreve Jean Paul Rathbone, especialista do "Financial Times" para América Latina.

    Dizem, a propósito, três pesquisadores do Centro Carnegie, Andreas Feldmann, Federico Merke e Oliver Stuenkel:

    "O Brasil é de longe o mais poderoso ator sul-americano e o único com peso político suficiente para intermediar uma quebra do polarizado contexto venezuelano."

    Há um antecedente: na crise de 2002, em que a polarização já era aguda, Lula enviou Marco Aurélio Garcia a Caracas, viagem de que resultou a criação de um grupo de amigos da Venezuela, que ajudou a desminar o campo de jogo. E Lula ainda nem tomara posse.

    Agora, é evidente que a eleição não resolverá os problemas, seja qual for o resultado, porque não está em jogo a Presidência.

    O incompetente Nicolás Maduro continuará no governo e não parece ter a mínima condição de mudar o jogo que empurrou a Venezuela para o fundo do poço.

    Admito que posso estar sendo ingênuo ao fazer a sugestão. Primeiro, porque Dilma está interessada unicamente em salvar seu pescoço, não a Venezuela.

    Segundo, porque o chavismo é messiânico demais para reconhecer suas dificuldades e aceitar ajuda.

    Mas sempre resta a esperança de que a visão da forca ajude a clarear a mente.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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