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    Clóvis Rossi

    Mais uma aposta que o Brasil perde

    15/12/2015 11h00

    Bem que dizem que desgraça pouca é bobagem.

    Não bastassem a formidável crise econômica em que o Brasil entalou e a não menos colossal crise política —uma, aliás, realimentando a outra— e eis que, a partir desta terça-feira (15), começará a ficar evidente que o Brasil perdeu sua principal aposta em matéria de comércio internacional.

    Refiro-me à chamada Rodada Doha, lançada em 2001, como a mais ambiciosa tentativa de liberalização comercial jamais empreendida no planeta.

    A rodada é coordenada pela OMC (Organização Mundial do Comércio), cujas regras determinam a realização, a cada dois anos, de uma reunião ministerial, a sua máxima instância decisória.

    Pois é uma dessas reuniões que começa nesta terça-feira em Nairóbi, na vã expectativa de fazer avançar a Rodada Doha. Acontece que, na antevéspera do início do encontro, o responsável pelo comércio exterior norte-americano, Michael Froman, lança um torpedo na linha de flutuação de Doha, em artigo no "Financial Times".

    Escreveu Froman: "Está na hora de o mundo livrar-se das limitações de Doha".

    É pouco provável que os ministros reunidos em Nairóbi assinem o atestado de óbito de Doha porque os países mais pobres ainda se aferram à essa negociação.

    Pelas regras da OMC, qualquer decisão é tomada por consenso, não por voto, o que, em tese, dá ao pequeno Paraguai o mesmo poder que têm os Estados Unidos.

    Mas é óbvio que, se os Estados Unidos estão desistindo de Doha, a rodada está morta. Só falta avisar.

    Pior para o Brasil: desde o governo Fernando Henrique Cardoso (em cujo período começou o ciclo Doha), o país apostou em que só no âmbito multilateral poderia fazer avançar suas prioridades.

    Era uma aposta correta porque só na negociação multilateral seria possível conseguir derrubar o muro protecionista que os Estados Unidos e, principalmente, a União Europeia ergueram em torno de seus produtores agrícolas.

    Os europeus cansaram-se de informar a seus parceiros do Mercosul que não pagariam duas vezes pela abertura agrícola, uma no âmbito geral e, a outra, no regional (no acordo em negociação com o Mercosul).

    O problema é que o governo brasileiro não acreditou nos sucessivos sinais de que Doha não iria adiante. Afinal, o acordo inicial, o de 2001, previa o final da rodada para 2005. Dez anos depois, praticamente não se saiu da estaca zero.

    Nesse período, proliferaram acordos regionais ou bilaterais, nenhum deles incluindo o Brasil.

    Até agora, 619 desses acordos foram notificados à OMC, 400 dos quais já estão em vigor.

    Pior (para o Brasil): acaba de ser concluída a negociação da Parceria Transpacífico, um mega acordo multirregional.

    É natural que o comércio se intensifique entre os países-membros, o que só prejudica um país como o Brasil, que continua com anêmica participação no comércio mundial.

    É nesse contexto que se inicia a reunião da OMC em Nairóbi, para a qual o Brasil enviou seu chanceler, Mauro Vieira, em claro sinal de que continua apostando em Doha.

    Pena que a maior potência mundial, pela voz de Michael Froman, avise que "precisamos escrever um novo capítulo para a OMC, que reflita as realidades econômicas de hoje".

    O Brasil está preparado para dar o salto de 2001 (o ano de lançamento de Doha) para 2015?

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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