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    Clóvis Rossi

    Uma certa ordem no hospício

    22/12/2015 12h51

    A troca de Joaquim Levy por Nelson Barbosa instala uma certa ordem no hospício Brasil.

    À margem das virtudes e defeitos de cada um deles, era insustentável a convivência entre uma presidente e um ministro da Fazenda incompatíveis ideologicamente.

    Nem se trata de falar do atacado. Fiquemos no varejo ideológico: Levy era apóstolo da teologia do ajuste. Partia da fé cega de que, ao fim do sacrifício, haveria fatalmente o pote de ouro do crescimento.

    Essa fé cega foi aplicada em países como Espanha, Portugal, Reino Unido, Grécia etc.

    O crescimento até veio, mas muito além do período de dois anos que Levy e Dilma tinham agora, ao cabo de um ano de tentativas de ajuste e de retrocesso da economia.

    Na Espanha, por exemplo, mesmo após dois anos de crescimento (baixo, aliás), a economia é ainda 4,6 pontos percentuais mais magra do que no início da crise, em 2008.

    Consequência: os partidos responsáveis pelo ajuste (o conservador Partido Popular e o supostamente socialista PSOE) sofreram uma baita sangria na eleição de domingo, 20.

    Dilma, ao contrário de Levy, acha que o crescimento é mais importante que o ajuste. Ou, na melhor das hipóteses, que não são incompatíveis.

    De fato, contas públicas ajustadas ajudam no crescimento, mas quando estão de fato ajustadas. Quando há o enorme desequilíbrio que se vê no Brasil e quando já se está em recessão, o ajuste prejudica o crescimento porque necessariamente tira dinheiro da economia.

    A prioridade de Barbosa, ditada por Dilma, é o crescimento, sem, no entanto, descartar o ajuste. Só que este se fará, se se fizer, por imposição da realidade, não pela crença em suas virtudes.

    Tudo somado, tem-se que os astros se alinharam, digo a presidente se alinhou com seu ministro da Fazenda.

    Barbosa já não tem um inimigo interno, ao contrário de Levy, cercado pelos índios sem poder chamar o sétimo de Cavalaria (Dilma).

    Agora, o inimigo chama-se mercado. Afinal, Levy era uma indicação do mercado, mais exatamente do mercado financeiro (Luiz Carlos Trabucco, do Bradesco).

    Como agentes de mercado deram solene banana a seu queridinho, na forma, por exemplo, do rebaixamento da nota do Brasil por duas das três agências de rating, Dilma devolveu a banana, sacando Levy.

    Nada mais correto. O tal de mercado não é infalível, como ficou claro na crise de 2008/09. Calma, liberais de plantão, não estou dizendo que o Estado é melhor. Ambos são produtos de seres humanos, por definição falíveis.

    O ideal é equilibrá-los para evitar que o Estado destrua o mercado, como está acontecendo na Venezuela, ou o mercado destrua a economia, como na crise de 2008/09.

    Para ser bem franco, não acredito que Dilma/Barbosa encontrem esse equilíbrio tão necessário. Mas torço para que a realidade os obrigue a, de um lado, completar o ajuste que Levy mal iniciou e, de outro, busquem o crescimento, sob pena de o Brasil entrar em um labirinto sem saída.

    Por isso, Feliz Natal aos dois, que o resto dos brasileiros dificilmente terá um Natal realmente feliz.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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