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    Clóvis Rossi

    Brasil dá um basta ao bolivarianismo

    05/01/2016 14h20

    O governo brasileiro rompeu nesta terça-feira (5) com a tradicional passividade em relação aos abusos da Venezuela chavista, por meio de nota oficial em que afirma claramente:

    "Não há lugar, na América do Sul do século 21, para soluções políticas fora da institucionalidade e do mais absoluto respeito à democracia e ao Estado de Direito".

    É uma alusão nada indireta às manobras do governo venezuelano para driblar a supermaioria (112 deputados em 167) que a oposição obteve no pleito de 6 de dezembro para a Assembleia Nacional, instalada ontem.

    Ainda mais que a nota deixa claro, como a Folha havia antecipado na edição desta terça (5), que "o governo brasileiro confia que será plenamente respeitada a vontade soberana do povo venezuelano, expressada de forma livre e democrática nas urnas.

    Confia, igualmente, que serão preservadas e respeitadas as atribuições e prerrogativas constitucionais da nova Assembleia Nacional venezuelana e de seus membros, eleitos naquele pleito".

    É uma nota inusualmente dura, mas que reflete o distanciamento que o governo brasileiro resolveu adotar em relação ao bolivarianismo, depois de inúteis tentativas de ajudá-lo a enfrentar a crise econômica e social que devasta o país (a previsão é de queda de 10% do PIB no ano passado, índice que nem países em guerra conhecem).

    A nota do Itamaraty é, na prática, uma sequência à carta que a presidente Dilma Rousseff enviou a Nicolás Maduro, antes da eleição, recomendando respeito às regras do jogo, antes, durante e depois do processo eleitoral.

    O "durante" até que funcionou, reconhece a nota do Itamaraty.

    O problema veio depois, primeiro com a decisão do governo de recorrer a uma Justiça sabidamente controlada pelo Executivo para tentar cassar três dos 112 deputados oposicionistas, de forma a barrar a supermaioria que daria poderes extraordinários à Assembleia.

    Depois, na designação de uma assembleia paralela, a Comunal, prevista nos regulamentos bolivarianos, mas em hibernação absoluta até a vitória oposicionista.

    O rompimento do Brasil com os excessos do chavismo deixa Caracas isolada no Mercosul, já que o novo presidente argentino, Mauricio Macri, também se manifestou contra eles.

    Na cúpula de dezembro do Mercosul, o Brasil concordou com a criação de um organismo de monitoramento de direito humanos no âmbito do grupo.

    É fatal que a Venezuela caia nas malhas desse grupo, a julgar pelos seus antecedentes: entre 1995 e 2012, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou a Venezuela 16 vezes por episódios de mortes extra-judiciais (na verdade, execuções pelos corpos policiais), e por violações da liberdade de manifestação, entre outros abusos aos direitos humanos.

    A Venezuela retirou-se da corte, sob a clássica alegação de que a Organização dos Estados Americanos, à qual está subordinada a instância, é instrumento dos Estados Unidos.

    O Brasil nunca se manifestou antes nesses episódios. Agora, dá um basta.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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