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    Clóvis Rossi

    Um embaixador inconveniente

    10/01/2016 02h00

    Sábia decisão a do governo de Israel de retirar a indicação de Dani Dayan para ser o novo embaixador no Brasil, conforme noticia a mídia local.

    Não é, em todo o caso, uma decisão determinada pela convicção de que Dayan não era o nome ideal. Foi consequência da recusa do governo brasileiro de dar o sinal verde ("agrément", no jargão diplomático) ao indicado.

    Rina Castelnuovo - 24.mai.2012/ "The New York Times"
    Dani Dayan, the head of Israel's settler movement, visits the Eli Jewish settlement in the West Bank, May 24, 2012. Dayan has devoted the past five years to expanding the Jewish presence in those and other disputed historic places across the West Bank as chairman of the Yesha Council. (Rina Castelnuovo/The New York Times) ORG XMIT: XNYT94 ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    Dani Dayan, que havia sido indicado para o cargo de embaixador de Israel no Brasil

    Até o fim do mês passado, Israel ainda confiava na aprovação de Dayan, apesar do silêncio mantido pelo Itamaraty pelos longos quatro meses decorridos desde a indicação, em agosto.

    O governo brasileiro não recusou a indicação, porque seria grosseiro demais. Simplesmente silenciou, e manteria o silêncio por tempo indeterminado.

    Israel lançou mão de intermediários para avaliar a situação e de um deles recebeu como resposta a frase "o sinal está dado". Ou seja, o silêncio por tão longo tempo indicava claramente que Dayan não seria aprovado.

    O Itamaraty nunca deu informação oficial sobre o andamento do caso, mas uma carta divulgada na quinta-feira (7) por 40 embaixadores aposentados, todos eles pesos-pesados quando na ativa e ainda influentes na casa, explicitava os argumentos que estão na base da rejeição pelo Brasil do nome de Dayan, conforme a Folha já mostrou: primeiro, o fato de Israel "ter anunciado publicamente o nome de quem pretendia indicar como novo embaixador de seu país no Brasil antes de submetê-lo, como é norma, a nosso governo".

    A esse problema de forma soma-se o de conteúdo, representado pelo fato de que Dayan "ocupou entre 2007 e 2013 a presidência do Conselho Yesha, responsável pelos assentamentos na Cisjordânia considerados ilegais pela comunidade internacional".

    Dayan, na prática, é uma ilegalidade ambulante: não apenas foi representante dos assentamentos que a comunidade internacional considera ilegais como vive em um deles.

    Israel pode contestar a ilegalidade de suas colônias em território palestino, mas o Brasil é, felizmente, obrigado a seguir as regras estabelecidas pelas Nações Unidas.

    Ou é a legalidade internacional ou é a lei do mais forte. Os judeus já sofreram demais com a imposição dos fortes de uma dada época para agora aceitarem –ou, pior, adotarem sobre os palestinos– idêntico procedimento.

    Dayan, na verdade, é problemático até para o próprio Estado de Israel: ele é contrário à criação de dois Estados (Israel e Palestina), outra determinação das Nações Unidas.

    Quer que as duas comunidades convivam, lado a lado, no mesmo território, sem barreiras e sem discriminação. A tese é absolutamente impraticável, por uma pilha de motivos que não caberiam neste espaço.

    Mas esse nem é o principal argumento contra Dayan: a tese dos dois Estados é a posição oficialmente adotada por Israel.

    Como um embaixador pode ser eficiente na defesa dos interesses de seu país, o que é o cerne de sua missão, se discorda de um ponto-chave da posição oficial?

    A retirada do nome de Dayan, se e quando confirmada, elimina um ruído desnecessário na relação bilateral.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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