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    Clóvis Rossi

    Predadores armam o preconceito

    11/01/2016 02h00

    Se arrastões ainda causam alarme até no Brasil, imagine o escândalo que se armou na Alemanha com a notícia de um movimento ainda mais violento no centro de algumas cidades, em especial a belíssima Colônia, no oeste do país.

    Recapitulação: um grupo de cerca de mil homens se concentrou na praça em frente à estação ferroviária, que fica ao lado da catedral, parar festejar a chegada do novo ano.

    Em muitos momentos, desprenderam-se da aglomeração grupos menores que passaram a molestar sexualmente as mulheres que por ali estavam (cerca de 200 deram queixa na polícia, duas delas por estupro) e a roubá-las.

    Oliver Berg - 9.jan.2016/Efe
    Grupo protesta em frente à catedral de Colônia, na Alemanha, após agressões sexuais no Ano-Novo
    Grupo protesta em frente à catedral de Colônia, na Alemanha, após agressões sexuais no Ano-Novo

    As autoridades locais logo informaram que os agressores eram de aparência norte-africana e árabe. Bastou para desatar "um amargo debate sobre imigração e refugiados na Alemanha —debate que pode mudar o país", atreveu-se a prever o sítio da revista "Der Spiegel".

    Se já havia na Alemanha (e, de resto, na Europa toda) um forte debate sobre a necessidade ou não de limitar a imigração, os incidentes do Ano-Novo só poderiam dar à discussão o caráter grave antecipado pela revista.

    Até Donald Trump, o inconveniente pré-candidato republicano nos Estados Unidos e conhecido adversário da imigração, entrou na polêmica com uma frase previsível:

    "A Alemanha está enfrentando maciços ataques a seu povo pelos imigrantes cuja entrada no país foi permitida".

    Não havia até então nenhuma certeza sobre a identidade dos agressores, mas, uma semana depois, as autoridades informam que, dos 33 sob investigação, 19 são imigrantes recém-chegados.

    A informação, sempre segundo "Der Spiegel", reforçou certezas tanto entre os contrários aos imigrantes como entre os que os defendem:

    "Para alguns", escreveu a revista, "os eventos finalmente trouxeram à luz o que eles sempre disseram: que demasiados estrangeiros no país trazem demasiados problemas com eles. Para outros, o que aconteceu é o que eles temiam desde o início [da crise migratória]: que imagens feias de comportamentos feios por migrantes colocariam em perigo o que tem sido, em geral, uma disposição positiva em relação aos refugiados".

    Como houve incidentes semelhantes em outras cidades, não só da Alemanha (até em Helsinque, a capital da Finlândia, onde quase nada acontece jamais), é lógico supor que o diagnóstico feito pela revista se estenderá pela Europa toda, principalmente em países em que a disposição em relação aos refugiados já é negativa.

    Na Hungria, por exemplo, seu xenófobo primeiro-ministro, Viktor Orban, atacou até a mídia alemã por, "descuidadamente", dar boas-vindas aos migrantes e por "suprimir" histórias negativas a respeito deles (o canal alemão ZDF chegou a pedir desculpas por ter demorado para tratar do assunto).

    É óbvio que maltratar mulheres é um horrível vício não só de norte-africanos ou árabes, mas de muitos homens de diferentes origens.

    Mas é igualmente evidente que tratar a mulher como propriedade do homem é um fenômeno muito mais disseminado no mundo muçulmano.
    Ao emigrar e trazer o vício, só ajudam a disseminar o preconceito.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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