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    Clóvis Rossi

    EUA, mais cérebro que músculos

    14/01/2016 02h00

    Evan Vucci/AFP
    Obama faz discurso do Estado da União; atrás, o vice Joe Biden e o presidente da Câmara, Paul Ryan
    Obama faz discurso do Estado da União; atrás, o vice Joe Biden e o presidente da Câmara, Paul Ryan

    Concordo 100% com Barack Obama quando ele diz, como o fez no discurso sobre o Estado da União, que "os Estados Unidos da América são a nação mais poderosa da Terra. Ponto".

    Pena que o presidente tenha listado, entre os motivos em que baseia sua frase, o fato de que os Estados Unidos gastam mais com seus militares do que a soma dos gastos dos oito países que o seguem na lista de despesas militares.

    A grande força dos Estados Unidos não está em seus músculos, mas em seu cérebro.

    Veja vídeo

    A consciência de ter músculos muito mais poderosos do que qualquer outro país causa mais problemas do que traz soluções.

    Primeiro, deu a Washington a pretensão de ser a polícia do mundo, interferindo onde quer que achasse que seus interesses estavam ameaçados. A América Latina sofreu muito com isso, o Brasil inclusive.

    Sem o apoio dos EUA, talvez não tivesse havido o golpe de 1964, que atrasou 21 anos o país em seu aprendizado democrático, que é sempre mais eficiente do que a ordem dos cemitérios imposta até 1985.

    Segundo, o excesso de músculos deu asas para desastradas intervenções militares, como aconteceu no Iraque e no Afeganistão.

    Nesses dois países, como antes no Vietnã, a mais poderosa nação da Terra não foi capaz de ganhar a guerra.

    Em contrapartida, pelo menos no Vietnã, ganhou a paz: o país está construindo uma ditadura capitalista —a grande marca americana— com o mesmo empenho com que se atirou à guerra.

    Em benefício de Obama, diga-se que ele deixou em segundo plano o uso dos músculos para tentar resolver os conflitos pela via mais correta, que é a diplomacia (vide o acordo com o Irã, por exemplo, e a distensão com Cuba ).

    Onde os Estados Unidos continuam imbatíveis não é, portanto, nos músculos. Na velha como na nova economia, pense em alguma marca destacada e sempre virá à mente algum logotipo norte-americano.

    Automóvel? Ford, por exemplo. Eletrodomésticos? GE, por exemplo.

    Mas, nesses velhos setores, a concorrência é cada vez mais acirrada, ao passo que, na nova economia, aí quase só dá EUA. Preciso mencionar Google, Apple, Microsoft?

    Acontece que a tecnologia, se é fonte de progresso, é igualmente fonte de inquietações.

    Volto à General Electric: o grupo está anunciando uma radical transformação, para se tornar "uma companhia industrial digital". Mas, ao mesmo tempo, prepara-se para cortar 6.500 postos de trabalho na Europa.

    Essas duas faces da nova economia frequentaram igualmente o discurso de Obama: "Vivemos em um tempo de extraordinária mudança —mudança que está reformulando a maneira como vivemos e como trabalhamos, nosso planeta e nosso lugar no mundo".

    Mais: "É uma mudança que promete fantásticas descobertas médicas, mas também transtornos econômicos que causam tensão às famílias trabalhadoras".

    Pena que nem no discurso desta terça (12) nem nos sete anteriores Obama tenha apresentado respostas para a angústia, que não é só dos americanos. É maior, aliás, no Brasil, que nem pode exibir os resultados de que Obama se gabou.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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