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    Clóvis Rossi

    O diálogo e os sabres em Caracas

    21/01/2016 02h00

    Fernando Llano - 15.jan.2016/Associated Press
    O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, conversa com o líder do Legislativo, Henry Ramos Allup
    O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, conversa com o líder do Legislativo, Henry Ramos Allup

    A afirmação do presidente Nicolás Maduro de que está de braços abertos para o diálogo com a oposição e com o setor privado não decorre de nenhuma convicção dialoguista.

    Ao contrário, foi imposição dos militares, conforme a Folha apurou.

    É uma informação que combina com a pressão que o ministro da Defesa, general Vladimir Padrino López, exerceu sobre o governo para que fossem reconhecidos os resultados da eleição de dezembro, em que a oposição conseguiu a supermaioria (112 deputados em 167, cortada depois para 109, pela suspensão imposta pela Justiça a três dos deputados eleitos pela oposição, fora um chavista).

    Tampouco os militares são especialmente favoráveis ao diálogo. Mas estão se mostrando mais sensíveis à realidade do que o presidente Maduro.

    Para eles, a derrota nas urnas demonstrou claramente que o governo perdeu a rua.

    Insistir em negar esse fato, como o governo vem fazendo, tende a levar a uma explosão social que, por sua vez, obrigaria as Forças Armadas a intervir com consequências imprevisíveis.

    Daí a pressão para que o governo consultasse o setor privado e a oposição em busca de solução para uma crise econômica e social de proporções inéditas.

    Mas a oposição parece pouco disposta ao diálogo, a menos que o governo retifique a sua avaliação das causas da crise. Não se trata de uma "guerra econômica", ao contrário do que diz a versão oficial, mas de um "modelo insustentável" como o definiu para a Folha Shannon O'Neil, especialista em América Latina do Council on Foreign Relations.

    O setor privado, por sua vez, acha que o pacote de emergência econômica, recém-anunciado e em avaliação na Assembleia Nacional, é "mais do mesmo ou pior do mesmo", como ironiza Lorenzo Mendoza, executivo-chefe das empresas Polar, o maior conglomerado privado venezuelano.

    Mendoza fez sua avaliação em sessão sobre América Latina durante o encontro anual do Fórum Econômico Mundial.

    Para ele, o pacote de Maduro desenha um "capitalismo de Estado extremo", com "mais controle de preços, mais controle de câmbio e menos atividade privada".

    Ou, em resumo, "aprofunda um modelo fracassado".

    O empresário não é, entretanto, demasiado pessimista em relação ao médio prazo: "Quando as pessoas querem mudança, a mudança tem que chegar", diz, referindo-se ao sentido do voto das eleições de 6 de dezembro.

    A sessão sobre América Latina acabou sendo também a celebração da vitória de Mauricio Macri no pleito argentino —outra decisão pelo voto que "mudou totalmente o cenário", como disse Alicia Bárcena, secretária-executiva da Cepal, a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe.

    Lorenzo Mendoza não escondeu "a inveja" por ter a seu lado uma representante da mudança na Argentina, a chanceler Susana Malcorra.

    A Venezuela, aliás, está na agenda de Malcorra, conforme ela própria disse à Folha. Dela e do chanceler brasileiro, Mauro Vieira, que estão, "com toda a necessária cautela", tratando de sincronizar posições (nesse e em outros temas).

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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