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    Clóvis Rossi

    O carro novo e o terrorismo

    25/01/2016 02h00

    De Justin Welby, arcebispo de Canterbury e, como tal, chefe da Igreja Anglicana: "Os jovens não vão para a Síria [para se unir ao Estado Islâmico] em busca de um carro novo".

    Se o pressuposto é verdadeiro —e a sabedoria convencional manda dizer que é—, então é preciso reformular todo o kit mental com o qual o mundo civilizado busca derrotar o EI.

    John Kerry, o secretário de Estado norte-americano, por exemplo, baseia sua convicção de que o EI será derrotado no pressuposto de que o mundo civilizado oferece oportunidades, ao contrário do que ocorre com os terroristas.

    O problema é que os jovens que se radicalizam, seja no mundo ocidental ou no muçulmano, não querem o carro novo, que seria uma das oportunidades mais óbvias nesse universo.

    O que querem? Responde, em "El País", Eva Borreguero (Universidade Complutense de Madri):

    "Na a­tua­li­dade, o is­la­mis­mo ra­di­cal, co­mo qualquer pro­pos­ta sub­ver­si­va, pro­por­cio­na uma via de em­po­de­ra­men­to aos jo­ve­ns, tan­to europeus como do mun­do mu­çul­mano, que en­fren­tam uma cri­se de iden­ti­dade e a ameaça real de mar­gi­na­li­dade em suas so­cie­da­des."

    (Não é diferente nos bairros periféricos do Brasil, em que o ímã é o crime organizado).

    Reforça o escritor indiano Rana Dasgupta: "Muitas pessoas ao redor do mundo estão ficando fora do nosso sistema econômico global, que não as necessita. A disseminação de ideologias radicais é também a respeito desse fato básico".

    Não se trata, se o reverendo Welby estiver certo, de que todos os marginalizados queiram um carro, por exemplo. Alguns querem —e é isso que o Estado Islâmico lhes oferece— sentir-se como parte de um sistema de poder.

    Sh­lo­mo Ben-Ami, ex-­mi­nis­tro israelense de Relações Ex­te­rio­res, hoje vi­ce-­pre­si­den­te do Centro Internacional para a Paz (To­le­do, Espanha), acrescenta que "o pro­ble­ma fundamental con­sis­te em uma luta exis­ten­cial en­tre Es­ta­dos ab­so­lu­ta­men­te dis­fun­cio­nais e um ti­po obs­ce­na­men­te sel­vagem de fa­na­tis­mo teo­crá­ti­co".

    É óbvio que o número dos que se sentem atraídos pela selvageria é pequeno. Tem que ser pequeno ou, então, o mundo terá fracassado.

    De fato, uma pesquisa recente em países como Egito, Arábia Saudita e Líbano mostrou baixas porcentagens de aprovação ao EI (3% no Egito, 5% na Arábia Saudita e 1% no Líbano).

    Acontece que porcentagens são abstrações.

    Os 3% de egípcios que apoiam o EI correspondem a quase 1,5 milhão de pessoas. Na Arábia Saudita, mais de meio milhão.

    Se, com uma dúzia de fanáticos é possível fazer o estrago que se fez em Paris em novembro, imagine-se o caos se esse exército de reserva de simpatizantes resolver entrar em ação.

    O que resta é a avaliação de Mohamed bin Rashid Al Maktum, primeiro-ministro dos Emirados Árabes Unidos:

    "Só uma coisa pode deter uma juventude suicida que está disposta a morrer pelo EI: uma ideologia mais sólida que a guie pela sen­da correta e a convença de que Deus nos criou pa­ra me­lho­rar nosso mun­do, não pa­ra destruí-lo".

    Utopia hoje indisponível.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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