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    Clóvis Rossi

    De 'pegadinha' a perigo real

    11/02/2016 02h00

    P.J. O'Rourke, jornalista e escritor satírico, tem o que, a meu ver, é a melhor definição para a candidatura de Donald Trump: seria uma "pegadinha" que o eleitorado norte-americano estaria impondo ao "establishment" político.

    O problema é que a vitória de Trump em New Hampshire sinaliza a hora em que é melhor parar de rir, porque a "pegadinha" está crescentemente se transformando em perigo real e iminente.

    Alarmou, por exemplo, o lúcido Edward Luce, colunista do "Financial Times", para quem "o eleitorado de New Hampshire repudiou as elites norte-americanas".

    Nada contra bater nas elites. Elas devem saber melhor que os próprios eleitores por que estão apanhando.

    O problema é que a vara utilizada para a surra é uma tremenda fraude.

    Para Rubén Amón, colunista de "El País", o bilionário norte-americano remete a Silvio Berlusconi. Para mim, lembra um pouco Fernando Collor de Mello.

    Larry W. Smith - 28.jan.2016/Efe
    LWS136. DES MOINES, IOWA (EE.UU.), 28/01/2016.- El candidato presidencial republicano Donald Trump habla durante un evento de beneficencia para veteranos en la Universidad Drake en Des Moines, Iowa (EE.UU.) hoy, jueves 28 de enero de 2016. Trump realizó este evento en lugar de participar en el debate de candidatos republicanos de Fox News. La asamblea de votantes se realizará en este estado el próximo 1 de febrero, como primera prueba de los candidatos en la búsqueda de la nominación por parte de sus respectivos partidos. EFE/LARRY W. SMITH ORG XMIT: LWS136
    O pré-candidato republicano Donald Trump durante evento de beneficência para veteranos na Universidade Drake, em Des Moines, Iowa

    O desencanto do eleitorado com o "establishment", aqui como na Itália, semeou o campo para Berlusconi e Collor, gestões que terminaram em desastre.

    O que é mais difícil de entender é o desencanto do eleitorado nos Estados Unidos, que, bem ou mal, continua sendo a primeira potência mundial e o único entre os países ricos cuja economia vai razoavelmente bem.

    Não obstante, o slogan com que Trump tem anabolizado a sua candidatura é "fazer a América grande de novo".

    Na prática, o bilionário explora com muito sucesso os medos do eleitorado.

    Pegue-se, por exemplo, a sua proposta de impedir a entrada dos muçulmanos nos Estados Unidos. Insensatez, certo? Certo, mas toca uma corda no coração dos eleitores republicanos, os únicos que, por enquanto, precisa conquistar.

    Pesquisa recente do Pew Research Center mostra forte aumento no número de norte-americanos republicanos que acham que o islã encoraja mais a violência do que outras religiões: eram 33% em 2002, passaram a mais que o dobro (68%) em 2015.

    Detalhe: entre os democratas, a porcentagem também subiu, mas de 22% para apenas 30%.

    Consequência inexorável: entre os republicanos conservadores –naturalmente os mais inclinados a votar em Trump– já são 57% os que dizem, na mesma pesquisa, que os muçulmanos devem ser objeto de escrutínio mais severo, por causa de sua religião (entre os democratas, apenas 20% têm idêntica opinião).

    Fica claro que Trump não diz as inconveniências que diz por diarreia mental. É planejado para atingir o público que pretende conquistar nesta etapa da campanha eleitoral.

    Vale, por exemplo, para a ideia de construir um muro na fronteira com o México (já orçado em US$ 8 bilhões), para impedir a entrada dos vizinhos.

    Na festa da vitória em New Hampshire, um dos gritos de guerra da plateia era exatamente "faça o muro, faça o muro".

    Ainda dá tempo, em todo o caso, para que, no fim do dia, o eleitorado norte-americano acabe desmentindo a letal ironia do ensaísta Henry Louis Mencken:

    "O demagogo é quem prega doutrinas que sabe que são falsas para pessoas que sabe que são idiotas".

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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