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    Clóvis Rossi

    E a orquestra já não toca

    06/03/2016 02h00

    O Brasil como Titanic é a comparação de Judd Webber, na newsletter sobre América Latina do "Financial Times".

    Depois de informar que, em um dos luxuosos shoppings que pontuam o cenário do país tropical, toma-se sorvete a US$ 4 a casquinha, ele afirma: "Mas, ao contrário da orquestra tocando enquanto o transatlântico afundava, a aparência de normalidade não pode durar".

    Judd vai ao exagero de sugerir ao vendedor de sorvetes que aceite apenas pagamento em dinheiro, porque "a taxa de cheques devolvidos no Brasil é a maior desde que as estatísticas começaram".

    De acordo, Judd, com uma ressalva: é evidente que, se por orquestra se tomar o governo, ela já parou de tocar faz algum tempo.

    Meses atrás, um inquilino importante do Palácio do Planalto desabafou comigo: "É muito difícil governar quando o horizonte que se tem é de apenas uma semana".

    De lá para cá, ficou pior.

    Breve recapitulação: na quinta-feira (3) cedinho, chegava à minha caixa de correspondência eletrônica boletim da "Economist" em tom tão lúgubre quanto o de Judd Webber.

    Dizia: "Os estatísticos confirmarão hoje [quinta] que o PIB encolheu cerca de 4% no ano passado [foi, na verdade, 3,8%]. Cerca de 100 mil empregos foram perdidos em janeiro, além de mais de 1,5 milhão em 2015. O gasto dos consumidores está se contraindo: vendas no varejo caíram 7% em dezembro. A inflação, correndo a 11%, está comendo os salários daqueles que ainda têm emprego. A treva estagflacionária persistirá até que Dilma Rousseff enfrente o deficit orçamentário que mina a confiança, agora em chocantes 10,8% do PIB".

    Termina com a previsão de que, do jeito que as coisas vão, as notícias sobre o PIB de 2016 serão igualmente lúgubres.

    Parecia, pois, a descrição perfeita do fundo do poço, mas eis que, nas horas seguintes, vieram informações que demonstram que o excelente colunista Vinicius Torres Freire estava certo ao imaginar que o fundo do poço tem um alçapão.

    Primeiro, o vazamento da delação premiada do senador Delcídio do Amaral, apontando o dedo para a presidente e para seu antecessor e padrinho, Luiz Inácio Lula da Silva.

    Mais 24 horas e a Polícia Federal leva Lula, sob vara, para prestar depoimento sobre as inúmeras suspeitas que pesam sobre o ex-presidente.

    É a tempestade perfeita, dificultando ou, no limite, impedindo o resgate dos passageiros do Titanic Brasil, agora que a orquestra já não toca e não há salva-vidas para todos.

    Pode ser que Delcídio do Amaral esteja mentindo, pode ser que ele não tenha provas, o que será fundamental no âmbito jurídico. Mas, no âmbito político, o "iceberg" já bateu no navio.

    É como no caso Roberto Jefferson/mensalão: ele tampouco ofereceu provas, na entrevista que deu à Folha, mas o desfecho acabou sendo a prisão de uma parte da cúpula do PT.

    A diferença entre o mensalão e o petrolão é o estado da economia (saudável à época) e a popularidade do presidente de turno, inexistente agora. O comandante irá ao fundo com o navio?

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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