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    Clóvis Rossi

    Quanto mais negra a noite...

    13/03/2016 02h00

    Durante debate entre jornalistas brasileiros e espanhóis sobre a situação nos respectivos países, Felipe Sahagún ("El Mundo") pergunta quem seria o herói a apontar caso as investigações no Brasil cheguem a bom termo e se faça a indispensável limpeza.

    Atrevo-me a responder: não será um fulano, mas uma instituição, o Ministério Público. E, indiretamente, o Congresso constituinte de 1988, capaz de construir uma estrutura institucional sólida.

    Há aí duas boas notícias, uma bênção em meio à escuridão profunda dos tempos atuais.

    Primeiro, já houve um momento em que a política no Brasil foi capaz de produzir uma obra sadia e saneadora. Segundo, a solidez que está sendo demonstrada pelas instituições sobreviverá (tomara) à crise, o que significa que, passada a tormenta, o país pisará terreno mais saneado do que o que havia antes de iniciadas as investigações.

    Se houver também um saneamento econômico, sem loucuras heterodoxas mas também sem o austericídio que vitimou países europeus, aí teremos a bonança perfeita, passada a tempestade perfeita em que o Brasil mergulhou.

    Não digo isso por otimismo e confiança na pátria amada, duas qualidades que definitivamente não tenho. Digo-o porque há aquela frase, atribuída a dom Helder Câmara, segundo a qual quanto mais negra a noite, mais próximo o alvorecer.

    Sei que há pessoas, como os advogados dos réus, que falam de insegurança jurídica provocada pelos atos da Lava Jato. Não é a opinião, por exemplo, de um executivo (Mário Ruíz Tagle, responsável no Brasil pela espanhola de energia Iberdrola). "Há segurança jurídica no Brasil, ninguém está ultrapassando suas funções."

    Opinião semelhante a de outros interlocutores nos contatos mantidos em Madri em programa organizado pela Fundação Conselho Brasil-Espanha, vinculada ao Ministério de Relações Exteriores da Espanha.

    Mesmo no caso de Luiz Inácio Lula da Silva, de longe o mais polêmico, depõe Carlos Malamud, especialista em América Latina do Real Instituto Elcano, centro de pesquisas espanhol: "Não há uma ideia de que se tenham violado direitos humanos ou constitucionais. Não houve nenhuma denúncia na imprensa espanhola de que se tenham vulnerado os direitos de Lula".

    É evidente que não se pode tomar o testemunho de um ou vários executivos espanhóis como a palavra de todos os seus pares, nacionais ou estrangeiros. Mas é importante ouvi-los, pelo peso que o Brasil tem para a economia espanhola.

    Depois dos Estados Unidos, a Espanha é o segundo maior investidor no Brasil, com cerca de € 80 bilhões.

    No Brasil, atuam 11 das 15 maiores empresas espanholas e dele extraem de 20% a 30% de suas cifras.

    "Uma crise no Brasil se reflete imediatamente na Bolsa de Madri", diz Rafael Dezcallar, secretário do Conselho Brasil-Espanha.

    É óbvio, portanto, que executivos e/ou acadêmicos espanhóis seriam os primeiros (na verdade, os segundos, depois dos brasileiros envolvidos) a gritar "falta" se sentissem que a Lava Jato ameaça seus pares e, portanto, o clima de negócios.

    crossi@uol.com.br

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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