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    Clóvis Rossi

    O orgasmo de um sistema podre

    17/04/2016 02h01

    Faz muito tempo que cheguei a mesma conclusão agora exposta pelo procurador da República Carlos Fernando dos Santos Lima, que comanda a Operação Lava Jato:

    "O sistema político-partidário está apodrecido", disse nesta semana Carlos Fernando, que está fazendo elogiável trabalho na perseguição de maracutaias.

    É eloquente, altamente eloquente, que os dois lados da Lava Jato, o dos investigadores e o dos investigados, expressem idêntica posição.

    Afinal, a nota oficial emitida pela Odebrecht ao anunciar sua disposição de colaborar com as investigações também classifica o sistema partidário-eleitoral do país de "ilegal e ilegítimo".

    A Odebrecht, financiadora de praticamente todos os partidos políticos, sabe perfeitamente bem do que está falando. Afinal, como lembrou a Transparência Brasil para o "The New York Times", 60% dos congressistas brasileiros enfrentam sérias acusações como suborno, fraude eleitoral, desmatamento ilegal e até sequestro e homicídio.

    Até o PT, que posou de vestal desde a sua criação até chegar ao poder federal, faz agora uma miniautocrítica, pela voz do senador Humberto Costa: "Independentemente do que venha a acontecer no próximo domingo [hoje, 17], o PT precisa se reformar, se modificar, ter uma nova maneira de fazer politica".

    A reta final do processo de impeachment exibiu cenas explícitas desse sistema podre. Em um país civilizado, não é concebível que o vice-presidente da República se transforme em traidor descarado e desabrido da titular do cargo.

    Se Dilma errou -e errou mais do que teria direito-, Temer foi cúmplice porque a acompanhou durante o primeiro mandato e não recusou o convite para ser de novo o companheiro de chapa na disputa pela reeleição.

    Além disso, Temer está acompanhado de uma figura sinistra, Eduardo Cunha, ele próprio submetido a um processo de cassação de mandato que só não aconteceu ainda porque o sistema é podre.

    Tampouco é normal que partidos como o PP e o PSD, que mamaram nas tetas do governo enquanto este ainda dava leite, de repente se bandeiem para o lado oposto e queiram derrubar a presidente que os abrigou e de cujos erros foram cúmplices, como Temer.

    E isso é apenas o que sai à luz do dia. Sabe-se lá que tenebrosas transações não foram feitas ou ao menos tentadas na suíte que Luiz Inácio Lula da Silva ocupa em Brasília ou pelos oposicionistas, em outros endereços.

    O triste nessa votação, para mim, não é o ganhador ou o perdedor, mas o fato de que os dois lados cortejaram o chamado baixo clero -esse que constitui o cerne do sistema que o procurador Carlos Fernando chama de apodrecido e que uma de suas grandes financiadoras, a Odebrecht, admite ser ilegal e ilegítimo.

    Nem o governo atual, se ficar, nem o futuro, se Dilma virar "carta fora do baralho", deixarão de fincar suas raízes nesse sistema. A única expectativa de mudança não vem, pois, de Brasília, mas de Curitiba.

    Quem sabe a Lava Jato lanceta a ferida e tira todo o pus acumulado.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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