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    Clóvis Rossi

    Londres desafia xenofobia ascendente

    06/05/2016 16h46

    Justin Tallis/AFP
    Britain's Labour party candidate for London Mayor Sadiq Khan (C) reacts as he canvasses for supporters at a market in London on May 4, 2016, on the eve of the London mayoral elections. Londoners choose their new mayor on May 5, 2016, after a straight fight between rival candidates Zac Goldsmith and Sadiq Khan dominated by negative campaigning. / AFP PHOTO / JUSTIN TALLIS
    O candidato trabalhista Said Khan participa de comício em Londres

    Nesta era de Donald Trump e sua islamofobia explícita, nesta era de ascensão de partidos xenófobos, neste momento em que o Reino Unido se prepara para votar, no mês que vem, se se isola do continente ou permanece na Europa -neste cenário desagradável, eis que é do próprio Reino Unido que vem uma lufada de ar fresco.

    Refiro-me à vitória de Sadiq Khan na eleição para prefeito de Londres. É o primeiro muçulmano a se tornar prefeito de uma grande cidade ocidental.

    A história de Khan é atraente: filho de um motorista de ônibus paquistanês, estudou em escolas públicas até chegar à universidade, na qual se formou advogado.

    Nessa condição, especializou-se em casos de discriminação no emprego, brutalidade policial, direitos civis e outros assuntos relacionados à justiça social. Seu desempenho deve ter sido muito bom, a ponto de, aos 23 anos (agora tem 45), ter sido eleito uma espécie de vereador em Wandswort.

    É um contraponto quase perfeito ao aristocrático Boris Johnson, o prefeito (loquaz e popular) que vai substituir: cresceu em uma residência do equivalente local do "Minha Casa, Minha Vida" no popular distrito de Tooting, pelo qual se elegeu deputado.

    Tony Travers, professor na London School of Economics, festejou para o "Guardian" o resultado, que, segundo ele, demonstra que "Londres é capaz de pôr de lado raça, religião e identidade".

    De fato, a cidade de 8,5 milhões de habitantes tem 13% de muçulmanos entre seus habitantes, porcentagem que seria insuficiente para dar a Khan uma vitória tão convincente.

    Para o "Le Monde", o novo prefeito ilustra perfeitamente o cosmopolitismo de Londres.

    Há até quem projete um futuro ainda mais brilhante para Khan, caso de Amor Rajan, editorialista do "The Independent", para quem o agora prefeito poderá se tornar "o primeiro primeiro-ministro muçulmano do Reino Unido".

    É um exagero. Londres de fato é uma cidade cujo multiculturalismo é visível a olho nu. Há até um trecho da capital britânica, em torno da Edgware Road, bem no centro, que é chamado de "Londonistan", pela quantidade de árabes/muçulmanos que vivem ou circulam por ali.

    O que me surpreendeu, ao cobrir os atentados ao metrô/ônibus em Londres, em 2005, foi ver que essa população não se sentiu acuada ou discriminada pelo fato de que os autores dos atentados eram muçulmanos, como logo se descobriu.

    Mas uma coisa é Londres, outra o conjunto do Reino Unido. Neste, cresce o apoio a um partido anti-imigrantes e anti-Europa, como é o caso do Ukip (Partido pela Independência do Reino Unido), que, aliás, elegeu, na mesma quinta-feira (5), seu primeiro representante na história do País de Gales.

    Boris Johnson, o prefeito que Khan substituirá, é partidário da saída do Reino Unido da Europa, um clássico do isolacionismo. Tanto que a Universidade de Oxford acaba de liberar estudo mostrando que 3/4 dos europeus que trabalham no Reino Unido ficarão ilegais, se houver a saída. Se é assim com os europeus, imagine-se a muralha que se erguerá para futuros "Khans".

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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