• Colunistas

    Wednesday, 01-May-2024 18:06:05 -03
    Clóvis Rossi

    Falar é pouco, Serra

    19/05/2016 02h00

    Pedro Ladeira/Folhapress
    O ministro das Relações Exteriores, José Serra, discursa na transmissão de cargo no Itamaraty
    O ministro das Relações Exteriores, José Serra, discursa na transmissão de cargo no Itamaraty

    Para ser fiel ao discurso de posse, em que prometeu ser vigilante com violações da "democracia, liberdades e direitos humanos em qualquer país", o ministro José Serra deve apoiar a iniciativa da Human Rights Watch de pedir à Organização dos Estados Americanos a aplicação da cláusula democrática à Venezuela.

    A HRW alega que "o colapso da independência judicial na Venezuela e a consequente propagação das violações aos direitos humanos e da impunidade afetam princípios fundamentais consagrados na Carta [da OEA] e em outros acordos regionais".

    Tem toda a razão, mas, para que a OEA possa de fato considerar a petição, é fundamental que um país-membro a respalde.

    O Brasil deveria ser o primeiro a fazê-lo. Se a Venezuela de Nicolás Maduro pode dar palpites sobre assuntos internos do Brasil, como o fez ao considerar golpe o impeachment de Dilma, por que o Brasil não pode fazer o mesmo?

    Como ensina Marcos Troyjo, em sua coluna online desta quarta-feira (18), "só na superfície, ou no senso comum, agir diplomaticamente é 'colocar panos quentes', 'engolir sapos' ou 'ficar numa boa com a turma toda'. Às vezes, diplomacia é abandonar meias palavras; deve-se falar e agir no tom mais severo possível".

    No caso venezuelano não se trata de defender só a democracia, claramente violada pelo governo de Nicolás Maduro, mas de tentar salvar a própria Venezuela.

    O cenário atual é descrito à perfeição por Moisés Naïm e Francisco Toro, em artigo para "The Atlantic":

    "Nos últimos dois anos, a Venezuela experimentou o tipo de explosão que raramente ocorre em país de renda média como ela, exceto em caso de guerra. As taxas de mortalidade estão disparando; um serviço público depois do outro está entrando em colapso; inflação de três dígitos [720% este ano] deixou mais de 70% da população na pobreza [76%, para ser exato]; uma onda incontrolável de crime mantém as pessoas trancadas em casa à noite; consumidores têm que permanecer na fila por horas para comprar comida; bebês morrem em grande número por falta de remédios simples e baratos e de equipamento nos hospitais, assim como os mais velhos e os que sofrem de doenças crônicas."

    Até a esquerda "chavista" (a do Chávez original, não a de seu sucessor desastrado) critica o governo e duvida de sua alegação que trava uma "guerra econômica" e acena com uma invasão que só ele vê.

    Escrevem para o sítio "Aporrea", em que essa esquerda se expressa, Toby Valderrama e Antonio Aponte: "Outra vez, o governo fala de guerra, de invasões, de perigos estrangeiros, comportando-se como a criança que fez estragos na cozinha e acusa a irmã, a empregada (...). Que estranho esse governo que nunca se equivoca, não retifica nada, ao contrário, reafirma os decretos e condutas que todos veem que não funcionaram."

    Só o referendo revogatório daria aos venezuelanos a chance de escolher um novo governo capaz de tentar condutas que, de repente, funcionem. Mas só a pressão externa permitiria, eventualmente, que ele se torne realidade.

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024