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    Clóvis Rossi

    Israel em seu labirinto

    12/06/2016 02h00

    Baz Ratner - 8.jun.2016/Reuters
    Moradores de Tel Aviv acendem velas no local do ataque a tiros que matou quatro pessoas na quarta
    Moradores de Tel Aviv acendem velas no local do ataque a tiros que matou quatro pessoas na quarta

    Na noite de quarta-feira (8), assim que terminou o jejum obrigatório para muçulmanos durante o Ramadã, as redes sociais dos palestinos foram tomadas por mensagens assim: "Nós rompemos o jejum matando judeus".

    Alusão ao atentado de pouco antes em Tel Aviv, no qual dois primos palestinos saíram disparando contra quem estivesse próximo no Sarona Market, centro de entretenimento/restaurantes. Mataram quatro.

    A festa dos palestinos ocorreu também nas ruas. É fácil entender como essa reação selvagem, somada a cenas semelhantes em atentados anteriores, provocou uma tremenda mudança em Israel.

    Mudança tão formidável que, pouco antes do episódio de quarta, Aluf Benn, redator-chefe do excelente jornal "Haaretz", de centro-esquerda, dava Israel por acabado, em artigo para "Foreign Affairs".

    Escreveu: "Israel —pelo menos a versão de Israel secular e progressista que uma vez capturou a imagem do mundo— está acabado. (...) O país que o substituiu é profundamente diferente daquele que seus fundadores imaginaram quase 70 anos atrás".

    Explica o jornalista: "Os atuais líderes de Israel —comandados pelo primeiro-ministro Binyamin Netanyahu, que se metamorfoseou depois da eleição de um conservador avesso ao risco em um radical de extrema-direita— veem a democracia como sinônimo de domínio da maioria sem controles e não têm paciência com restrições como revisão pelo Judiciário ou a proteção das minorias", em que "só judeus devem gozar de plenos direitos, enquanto os autóctones [no caso, os palestinos] devem ser tratados com suspeição". Aluf não está sozinho nesse lamento sobre o estado das coisas em Israel.

    Na véspera do Dia de Rememoração do Holocausto, no mês passado, o então subchefe do Estado-Maior, major-general Yair Golan, roçou a heresia. Disse: "Se há algo que dá medo na relembrança do Holocausto, é perceber vestígios desse horrível processo que se desenvolveu na Europa —particularmente na Alemanha— 70, 80, 90 anos atrás, agora entre nós no ano 2016".

    Não são opiniões de fanáticos palestinos mas de judeus do establishment. Deve de fato haver algo de perturbador no ambiente quando um jornalista veterano e respeitado, Roni Daniel, ferido na Guerra dos Seis Dias, diz, em debate na TV, não estar certo de que quer que seus filhos permaneçam em Israel.

    Parece evidente que a ocupação dos territórios palestinos, numa ponta, e os atentados contra judeus, na outra, envenenaram o ambiente.

    Até o pai de Ben Ari, uma das vítimas da quarta-feira, faz essa ligação, relata o "Times of Israel": ele "acusou o governo de fracassar em encontrar uma solução estratégica para o conflito entre israelenses e palestinos e, em vez disso, recorrer a movimentos táticos que só podem causar mais sofrimento aos palestinos e empurrar mais alguns deles para o ciclo do terror".

    Afinal, diz o prefeito de Tel Aviv, o trabalhista Ron Huldai, "nós não podemos manter essa gente em uma realidade em que são ocupados e esperar que cheguem à conclusão de que tudo está certo e que podem continuar vivendo desse jeito".

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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