Filipe Santos Costa, do "Expresso", excelente jornal português, compara Donald Trump ao Pokémon Go:
"Trump é, ele próprio, uma espécie de político-realidade-aumentada, que surge não se percebe bem como, que não encaixa bem na realidade que conhecemos, mas é um entretenimento escapista de que muitos pareciam estar à espera".
Na Alemanha, referência parecida é usada por Ines Pohl ("Deutsche Welle"):
"Donald Trump aposta na realidade encenada, incluindo os castelos do sonho em seus campos de golfe, as torneiras de ouro na Trump Tower, a cor artificial do rosto e o cabelo falso. Ele tem que fazê-lo porque lhe falta substância. Ele pode fazê-lo porque aprendeu cedo a seduzir as pessoas. E ele tem tanto sucesso porque muitos preferem sonhar com um mundo passado a trabalhar para um futuro".
Alex Wong/Getty Images/AFP | ||
Melania Trump beija seu marido, Trump, após discursar no primeiro dia da convenção republicana |
O grande problema com essas comparações é que os bichinhos do Pokémon são inócuos, ao passo que Donald Trump é um perigo para a humanidade.
Exagero? Pode ser, mas é a opinião do jornalista que o içou pela primeira vez a uma capa de revista e depois escreveu sua biografia:
"Se Trump ganhar e tiver acesso aos códigos nucleares há uma enorme possibilidade de que ele leve ao fim da civilização", disse à revista "New Yorker" Tony Schwartz, que conviveu durante um ano com o milionário para escrever a biografia.
O perfil que Schwartz escreveu de Trump nos anos 80 informa que ele recorria a todo o tipo de métodos sem escrúpulos para afugentar os inquilinos de outro imóvel que havia comprado e queria transformar num empreendimento de luxo.
A biografia de Trump saiu com o título "A Arte da Negociação", mas Schwartz diz, agora, que, se tivesse que escrever outra biografia do personagem, o título seria "O Sociopata".
O "New York Times" criou um método para medir as chances eleitorais dos dois candidatos e informa que, por enquanto, Hillary Clinton tem 76% de possibilidades de se eleger. Ou seja, há uma boa chance (teórica) de que Trump fique longe dos códigos nucleares, mas o simples fato de ter se consagrado candidato de um grande e tradicional partido já é assustador.
Sobre os defeitos do candidato, já se escreveu o suficiente, inclusive neste espaço, pelo que é importante tentar entender como uma figura tão pouco qualificada consegue tanto apelo popular.
Conversas com norte-americanos comuns, antes do grande passeio de Trump pelas primárias, já me haviam surpreendido pelos argumentos usados para defendê-lo.
Ficou a nítida sensação de que o eleitor de Trump é o que na Itália do pós-guerra se chamava "l'uomo qualunque" —movimento anti-política por excelência. O problema começa quando, como aponta Martin Wolf ("Financial Times"), se as respostas que os Trump da vida oferecem são falsas, os males que "l'uomo qualunque" sente são reais.
Completa: "Se as elites governantes continuarem a fracassar na oferta de curas convincentes, elas podem em breve ser varridas e, com elas, o esforço para casar auto-governo democrático com um mundo aberto e cooperativo". É a versão política do botão nuclear.
É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.