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    Clóvis Rossi

    Mundo assiste impassível à guerra que afeta 8,4 milhões de crianças sírias

    21/08/2016 02h20

    Mahmoud Rslan/AFP
    Omran, a four-year-old Syrian boy covered in dust and blood, sits in an ambulance after being rescued from the rubble of a building hit by an air strike in the rebel-held Qaterji neighbourhood of the northern Syrian city of Aleppo late on August 17, 2016. / AFP PHOTO / MAHMOUD RSLAN
    Imagem divulgada por rebeldes sírios mostra Omran, 5, em ambulância após ataque aéreo em Aleppo

    A desgraça do mundo contemporâneo não é aquela foto de tremendo impacto do menino Omran, sangue no rosto, pó de escombros cobrindo todo o corpo, olhar perdido no infinito.

    A verdadeira desgraça é que há, só na Síria em guerra há cinco anos, os mesmos que Omran viveu, 8,4 milhões de crianças afetadas pelo conflito. "Suas vidas estão marcadas pela violência, o medo e o deslocamento [de suas casas]", diz ao "El País" Peter Salama, diretor regional para o Oriente Médio e o Norte da África da Unicef, a agência da Organização das Nações Unidas para a infância.

    Ou, posto de outra forma, há 8,4 milhões de outros potenciais Omrans que só não foram captados pelas lentes de algum fotógrafo porque o acesso a eles é complicado até para esses benditos malucos que arriscam a vida para contar, em imagens, a história, a triste história contemporânea.

    Há mais desgraças envolvendo crianças na guerra da Síria: 2 milhões delas não recebem nenhum tipo de educação no país, assim como outras 700 mil que estão refugiadas em países vizinhos.

    Ou seja, sofrem agora e sofrerão no futuro, mesmo que a guerra algum dia termine, porque não estarão preparadas para o mundo, seja qual for o mundo em que viverão.

    Temo, no entanto, que a maior desgraça nem sejam esses dados tão terríveis. O pior é que a imagem de Omran logo, logo, cairá no esquecimento, como caiu a de Alan Kurdi, menino de três anos cujo corpo foi encontrado em uma praia na Turquia, em setembro de 2015, depois do naufrágio da embarcação em que estava sua família.

    Depois de Alan, milhares de outras crianças, com ou sem respectivas famílias, continuaram arriscando a vida em travessias rumo à Europa, enquanto o mundo se perdia em discussões sobre como pôr fim às migrações, em vez de discutir como abrigá-los.

    Pode haver até candidatos a terroristas que se misturam aos migrantes, mas a esmagadora maioria está apenas fugindo de guerras ou de situações insuportáveis nos países de origem.

    No caso da Síria, é até pior, se é que é possível. A guerra está destruindo todo um país já faz cinco anos, sem que a comunidade internacional faça qualquer coisa relevante para pôr fim à carnificina.
    Ao contrário, há um punhado de países que ajudam a derramar mais sangue, apoiando este ou aquele grupo envolvido nos combates.

    Acho que tem razão Valdemar Cruz, do excelente jornal português "Expresso": "Assistimos à banalização de uma dor incomensurável e impossível de reduzir a uma imagem cujo significado corre o risco de se esgotar na emoção do momento, até a próxima criança, até a próxima imagem, até o próximo combate do qual resulte mais um olhar desesperado, mais um rosto a rasgar a sensibilidade das consciências. E essa é, também, uma das gritantes e deploráveis hipocrisias associadas a estes arrastões noticiosos, sobretudo quando abafam a complexidade dos conflitos onde são gerados".

    Logo mais, as consciências estarão de novo anestesiadas, e os Omrans da Síria ou de outras áreas banhadas em sangue continuarão olhando perdidos para o infinito.

    crossi@uol.com.br

    clóvis rossi

    É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

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